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Jardin Majorelle, um local de inspiração em Marrakech

No último dia em Marrakech aproveitei a manhã livre e ligeiramente fria para conhecer o Jardin Majorelle. Pegamos um taxi no hotel e nos dirigimos para o jardim logo cedo, porém para nossa surpresa, o taxi parou em frente a um centro comercial e disse que esperaria por nós, caso quiséssemos fazer compras lá.

Bom, em se tratando de comércio e marroquinos, é preciso ser bem incisivo quando não se deseja comprar nada. Assim, após deixar bem claro ao motorista que nosso objetivo realmente era visitar o Jardin Majorelle, ele seguiu para lá.

O Jardin Majorelle foi fundado pelo francês Jacques Majorelle que se mudou para Marrakech em 1919 para seguir com a carreira de pintor. Em 1924 ele comprou o terreno que viria a se tornar o belo jardim, que só foi aberto oficialmente ao público em 1947. Hoje é um dos lugares mais visitados de Marrakech, recebendo mais de 600 mil turistas ou cidadãos marroquinos por ano.

Entrada do Jardin Majorelle

O jardim ocupa uma área de cerca de meio hectare, onde estão distribuídas plantas exóticas, vários tipos de cactos, bambus, buganvílias e muitas outras plantas vindas dos cinco continentes, o que fez de Jacques Majorelle um dos colecionadores de plantas mais importante de sua época. Tudo muito bem organizado com detalhes de vasos e canteiros em tom de azul cobalto,  junte-se a isso fontes que refrescam o local e todo o conjunto forma quadros perfeitos favorecendo a tomada de belas fotos.

Aliás, o azul do jardim contrasta com os tons ocres, característicos de  Marrakech, o que torna o Majorelle ainda mais especial e único dentro da cidade.

Cactos, cactos e mais cactos

O local emana uma paz e harmonia muito grande. Como cheguei bem cedinho, logo que o jardim abriu ao público, o espaço estava vazio, com poucos turistas que chegaram somente mais tarde. Assim, deu para aproveitar bem cada recanto do jardim, apreciando ao máximo toda sua beleza exótica e personalidade única.

Sobre o local, Jacques Majorelle dizia “Este jardim é uma tarefa terrível, que eu dou-me inteiramente. Ele toma meus últimos anos e eu caio exausto sob seus ramos, depois de dar todo o meu amor“. Bom, a fama criada pelo belo jardim acabou por ultrapassar as obras criadas pelo pintor.

A beleza exótica das plantas do Jardin Majorelle

Em 1980, Yves Saint Laurent e Pierre Bergé compraram o jardim e decidiram morar no local, mudando seu nome para Villa Oasis. Yves Saint Laurent usava o jardim como fonte de inspiração para suas criações. Andando por seus caminhos em meio a tantos cactus e outras plantas exóticas dá para entender o porquê da escolha do jardim para a inspiração do estilista.

Segundo as palavras de Yves Saint Laurent: “Faz muitos anos que encontro no Jardin Majorelle uma fonte inesgotável de inspiração e seguidamente sonho com suas cores que são únicas“.

Sem dúvida, um belo local de inspiração para pintores, estilistas e todos nós

A bela casa azul, em estilo art decó existente no jardim abriga hoje o museu de arte marroquina (Musée d’Art Marocain), com exposições da cultura bérbere. Há também uma loja com vários artesanatos, velas e sabonetes perfumados, principalmente com essência de flor de laranjeira (uma das minhas fragrâncias preferidas) e outros produtos típicos.

Belo tom de azul cobalto, em contraste com o ocre de Marrakech

Aproveitei minha manhã tranquila no Jardin Majorelle para tirar várias fotos, usei a beleza do local para fazer um ensaio fotográfico com um dos muitos lenços que comprei durante a viagem, resultando em um book a la marroquina. Ali pude aliar duas paixões, viagem e fotografia.

Ao final da visita, retornei ao hotel, me despedi de Marrakech e retornei para Casablanca de onde pegaria o vôo para Madri.

Uma das fotos do ensaio fotográfico no jardim

O Jardin Majorelle fica na avenida  Yacoub El Mansour. Abre diariamente das 8:00 as 17:30 no inverno (outubro a abril) ou até as 18:00 no verão (maio a setembro). O ingresso para o jardim custa 50 dihans (aproximadamente 4,50 euros), com um acréscimo de 25 dihans para o museu de Arte Marroquina.

Variedade de plantas exóticas

Um jantar das mil e uma noites no Chez Ali em Marrakech

Na nossa última noite em Marrakech, após ficarmos imersos na diversidade existente na praça Djemaa el Fna, fomos para o Chez Ali, um restaurante temático folclórico. Reza a lenda que o restaurante nasceu do fato de seu dono ter o costume de chamar as pessoas para comer na sua casa, dai seu nome Chez Ali (Casa do Ali).

Lá vivenciamos um jantar tipicamente marroquino com belas apresentações de música e danças finalizando com o show equestre Fantasia.

O restaurante e o show são programas obviamente voltados para o turismo, mas com toda certeza valem a pena conhecer.

 

Restaurante Chez Ali com as tendas onde ficam os grupos de músicos e cantores visto da entrada

O local onde fica o Chez Ali é bem amplo, com várias atrações e uma bela arquitetura marroquina. Logo na entrada, somos recepcionados com um corredor formado por homens montados em seus cavalos, uma paixão bérbere. Eles ficam dispostos lado a lado, prontos para tirar fotos com os turistas. É claro que para cada foto deve-se dar a bakshit, ou seja, a gorjeta. Como há vários pontos convidativos para fotos, prepare o bolso para as bakshits.

Um homem bérbere e seu cavalo vestidos a caráter

A medida em que vamos avançando na imensa área, passamos por várias tendas com músicos e dançarinas com roupas típicas. Lá podemos apreciar todo o folclore bérbere, com diferentes grupos se apresentando.

Corredor onde músicos recepcionam os turistas

Continuando andando, chegamos a um pátio aberto onde é possível dar uma volta de camelo. Dá para escolher entre andar em um camelo com uma tenda na parte de cima ou não. Eu optei pelo camelo sem tenda mesmo, para ter melhor visão.

Foi uma das experiências mais incríveis da viagem. Já tinha ouvido relatos de amigas que andaram de camelo e estava bastante curiosa para saber como é. Olhando de fora não dá para ter idéia de como é alto o camelo e a forma como ele se abaixa e levanta com a gente em cima acaba dando um certo susto, pois ficamos com o rosto virado para o chão. Deu susto, mas recomendo, é muito divertido andar de camelo.

Eu andando de camelo no Chez Ali

Continuando nossa caminhada até a tenda principal, vamos passando por mais grupos de músicos diversificados que mostram toda a riqueza da cultura bérbere. São músicas, ritmos, entonações, roupas e gestuais típicos que nos transportam para outra realidade.

Grupo com roupas típicas apresentando músicas folclóricas da cultura bérbere

 O jantar ocorre na tenda principal, lindamente decorada. Nas mesas redondas estão distribuídos o delicioso pão marroquino. Como não podia deixar de ser, o cardápio é composto pelos tradicionais pratos marroquinos cuscuz e tajine. Para a sobremesa foram servidas tijelas repletas de frutas frescas típicas como ameixas e damascos.

Delicioso cuscuz marroquino, um prato mais que típico no país

Enquanto jantamos,  vão aparecendo grupos de músicos ou de dançarinas que passam de mesa em mesa para se apresentar. São músicas e danças animadas que alegram e dão um charme todo especial para o jantar.

Os grupos de mulheres vestidas a caráter, formam um roda em torno da mesa e convidam os turistas a entrarem na roda com elas. Enquanto vão cantando, entoam o característico som árabe: lí-lí-lí-lí-lí-lí.

Uma simpática dançarina bérbere vestida a caráter.
Músicos se apresentando durante a sobremesa

Ao final do jantar, todos se dirigem ao local onde ocorre o show Fantasia. O show consiste principalmente de várias acrobacias dos homens montados em seus cavalos. Eles correm, fazem acrobacias no ar, atiram, há fogos de artifícios, dança, tapete voador e ainda mais. Os músicos, cantores e dançarinas também participam em uma procisão sem fim mostrando o que a cultura bérbere tem a oferecer.

Performance bérbere em meio à corrida de cavalos

As acrobacias são feitas nos cavalos correndo ao redor do pátio onde o show acontece. Os cavaleiros fazem inúmeras acrobacias incluindo irem de pé sobre o cavalo, de cabeça para baixo, pularem de uma lado para o outro, um sobre o outro em cima do mesmo cavalo e por ai vai.

Músicos e cantores se apresentam entre as corridas de cavalos

As apresentações são intercaladas com apresentações de música e dança. Enquanto os homens correm sobre seus cavalos, há um menininho que cavalga sobre um jumentinho e, é claro, recebe muitos aplausos da platéia.

Uma das performances é a simulação de batalha entre duas tribos bérberes

No final há a queima de fogos de artifícios e alguns cavaleiros, incluindo o menino, ficam por perto para tirarem fotos com os turistas e ganharem, como sempre, a bakshit.

Na saída, ainda há um pequeno museu em formato de caverna com peças de vestuário, vasos e joias.

Uma das exposições de vestuário do museu do Chez Ali

Como eu disse no começo, o Chez Ali é um lugar feito para turistas, no entanto, é um passeio que vale a pena ser feito, é uma forma de ter contato com a cultura bérbere, se não é a mais completa, pelo menos é bem divertida.

Marrakech, entre o Bab Agnaou e as Tumbas Saadianas

Após conhecer a medina e a praça Djemaa el Fna durante o dia, demos uma volta seguindo os belos muros de Marrakech até pararmos no portão mais famoso da muralha, o Bab Agnaou.

A caminho do Kasbah, a visão dos muros de Marrakech

Bab Agnaou foi construído pelo sultão Abd al-Mumin em 1150 e é um dos principais acessos ao Kasbah, construído por Yakub al-Mansur. Seu nome significa Portão das Pessoas Negra, uma vez que essa era a porta de entrada usada pelos plebeus, enquanto a aristocracia entrava no Kasbah por outro portão. Ele ainda mantém a arquitetura original. A riqueza e elegância da estrutura e decoração fazem do Bab Agnaou um dos melhores exemplos da arquetetura militar Maghreb.

Bab Agnaou, o imponente portão de entrada para o Kasbah

O Bab Agnaou não é tao trabalhado quanto os portões de Meknès, porém sua arquitetura transmite força e grandeza, com formas quadradas e circulares, formando a característica ferradura de cavalo, vista em quase todas as construções marroquinas.

No alto do imponente portão está uma inscrição dizendo “Entre abençoado pessoa serena“. Em cima, há ninhos de cegonhas que usam sem muita cerimônia a estrutura robusta do Bab Agnaou.

Bab Agnaou serve de base para os enormes ninhos das cegonhas

Passando pelo Bab Agnaou, entra-se no Kasbah e logo se vê do lado direito a Mesquita do Kasbah, conhecida também como el-Mansouria. A mesquita foi construída em 1190 e posteriormente restaurada na dinastia saadiana. Os azulejos verdes que decoram seu belo minarete são da construção original.

Enquanto passava pela mesquita do Kasbah, pude ouvir o chamado para oração e essa foi a vez em que deu para ouvir mais de perto o chamado, mesmo com toda a agitação dentro dos muros do Kasbah. Aproveitei para gravar o melódico chamado.

Mesquita do Kasbah, localizada entre o Bab Agnaou e as Tumbas Saadianas

Continuando o passeio, chegamos às Tumbas Saadianas, localizadas próximo à mesquita. As tumbas, que datam do século XVI, são o mausoléu real onde estão enterrados os membros da dinastia saadiana, que fizeram de Marraquech, a capital do Marrocos durante o período em que governaram, de 1554 a 1669.

A magnífica construção é adornada com mármore italiano e tetos de cedro. Nosso guia brincou dizendo que aquele mármore era feito de açúcar, pois foi trazido em troca da cana de açúcar existente no país.

Interior do primeiro mausoléu das Tumbas Saadianas

Existem dois principais mausoléus formados por várias salas e um jardim externo que os separa. No jardim, ependendo do número de turista, forma-se uma fila para alcançar a porta do segundo mausoléu. O interior das tumbas é maravilhosamente trabalho, com belos detalhes, mostrando todo o cuidado que o marroquino tem em suas construções. As palavras são poucas para descrever a elegância e delicadeza das salas, onde reina o estilo mouro-hispano. É até difícil escolher de onde tirar foto.

Detalhe do interior de uma das salas que formam as Tumbas Saadianas
Arquitetura muito bem trabalhada no interior das tumbas

Sem dúvida, as Tumbas Saadianas é um local que deve ser visitado no Marrocos. Até 1917 elas ficaram esquecidas, porém após serem redescobertas por uma francês e serem restauradas, elas são agora um ponto de grande visitação em Marrakech. As Tumbas Saadianas ficam na Rue de La Kasbah e abrem diariamente das 9:00 as 4:45. O ingresso custa 10 dihans (aproximadamente 1,00 euro).

Marrakech – O que torna a praça Djemaa el Fna tão especial

O que faz a praça Djemaa el Fna (ou Jemaa el Fna) ser tão famosa? Afinal é impossível falar em Marrakech sem mencionar a Djemaa el Fna. Situada dentro da medina, a praça é o símbolo e o coração pulsante da cidade e talvez até mesmo do país.

Durante o dia, apenas um lugar calmo e vazio em Marrakech

Djemaa el Fna quer dizer algo parecido com Assembléia dos Mortos. O nome é devido ao fato de que antigamente era o local para execução de criminosos, porém não há muita certeza histórica sobre a veracidade da analogia.

Durante o dia o local é apenas um espaço aberto por onde circulam pessoas a pé ou em motos e bicicletas. Há também algumas barracas vendendo especiarias, frutas secas e suco de laranja. Porém, mesmo que à primeira vista pareça um local sem atrativos que não faz jus à sua fama, ainda assim é interessante conhecer a praça. Isso porque durante o dia já é possível encontrar encantadores de cobras e outros artistas. Por ter menos movimento nesse horário, fica mais fácil de tirar as tão esperadas fotos dos encantadores e suas cobras.

O encantador e sua flauta tocando sem parar

É um espetáculo único ver o encantador sentado calmamente no chão tocando sua flauta em uma música contínua, sinuosa, hipnótica. Ao seu lado ficam outros homens com pandeiros e outros instrumentos.

No site da Wikipédia há uma explicação sobre o encantamento das serpentes. Na verdade as cobras, incluindo a Naja, a mais comum nesse tipo de apresentação, são surdas aos sons emanados pela flauta, mas conseguem sentir as vibrações do solo. O que seduz a cobra de fato é o movimento da flauta e não sua música. Os encantadores de cobra também podem passar urina de rato na flauta, o que faz com que a cobra procure sua presa natural.

Música contínua, sinuosa e hipnótica

Como é de se esperar, para tirar as fotos é preciso pagar aos encantadores, ou qualquer outro artista que estiver no local. A melhor forma para não se esquentar com isso é combinar o preço antes assim como o número de fotos que deseja tirar. Os performistas podem ficar um pouco agressivos se acharem que não estão pagando o devido valor às fotos. Então o melhor a fazer é combinar o preço e tirar suas fotos sem se deixar apressar por eles. Em geral, pode-se pagar entre 10 a 20 dihans (11 dihans = 1 euro). É lógico que quanto mais fotos, mais dihans devem ser combinados. Como em qualquer negociação no Marrocos, aqui vale a pena pechinchar também.

Os performistas são insistentes para que se tirem fotos e alguns chegam a colocar a cobra no pescoço dos turistas. Então, quem não quiser ter uma cobra enrolada no pescoço na hora da foto é bom deixar bem claro. No meu caso acabei tirando várias fotos com uma cobra aparentemente mansa enrolada em mim, mas devo confessar que sentir aquela pele fria não é lá muito agradável.

Cobras e mais cobras aparentemente hipnotizadas

Também há adestradores de macacos, mas esses me desagradam profundamente, pois acho que o macaco deveria estar solto na floresta e não acorrentado em exposição para atrair a atenção dos turistas. Assim como fazem com as cobras, os adestradores também colocam os macacos nos ombros dos turistas que param para olhar ou mesmo que apenas passam perto de um deles.

Mesmo no caso das cobras é de se pensar que esse espetáculo, por mais exótico e histórico que seja, não deixa de ser exploração dos animais. No final das contas, não dá para ter certeza  se as cobras e macacos não estão expostos a maus tratos. Além disso, por estar fora de seu habitat natural, esses animais podem ter seu tempo de vida reduzido.

A multidão toma conta da Djemaa el Fna após o pôr do sol

Bom, se a praça é calma e vazia durante o dia, ao entardecer ela se transforma totalmente. À noite a Djemma el Fna  torna-se palco de um cenário deslumbrante formado por performistas, acrobatas, contadores de histórias, tatuadores de henna, encantadores de serpente, músicos, adivinhos, inúmeras barracas vendendo comida, vendedores de incensos e ainda mais.

Apesar de turística, a Djemaa el Fna é dos marroquinos e para os marroquinos, independente da classe social, se é homem ou mulher, se é árabe ou bérbere. Ali todos se juntam, todos se divertem e todos formam uma cultura única e rica. Por todo esse jeito excêntrico e curioso de ser, a Djemaa el Fna entrou para a lista de Patrimônio Imaterial e Oral da UNESCO. A praça também ganhou seu espaço no livro 1000 Lugares para Conhecer Antes de Morrer de Patricia Schultz.

Mesas das inúmeras barracas de comida, restaurantes ao ar livre

É difícil explicar ou mesmo descrever a Djemaa el Fna. Palavras parecem não ser adequadas para expressar o que se vê no local, é preciso estar lá para sentir a vida pulsante, a transformação mágica que ocorre após o sol se pôr. Pessoas de todos os tipos, jeitos e pensamentos se misturam e se aglomeram, ficam paradas em volta dos contadores de histórias que gritam e se agitam em uma encenação sem fim, sentam para jantar nas mesas dispostas na frentes das incontáveis barracas que funcionam como restaurante onde os homens trabalham como cozinheiros, atendentes e garçons no meio de couscous, tajines ou cabeças de carneiros, ou simplesmente transitam entre os grupos formados.

A agitada multidão funciona como um antônimo para o nome, a Praça dos Mortos é cheia de vida.

Tajine, um dos pratos mais tradicionais do Marrocos, sendo preparado

É uma experiência tão única, rica e encantadora estar na praça que simplesmente não dá vontade de ir embora. Ali podemos nos perder, seja no meio da multidão, na mistura de performistas ou nos aromas vindo das barracas de comida ou dos vendedores de incenso. Para complementar, basta levantar os olhos e teremos uma bela visão do minarete da mesquita Koutoubia, que parece observar de longe toda aquela confluência de pessoas.

Para quem preferir não se aventurar no meio da multidão, dá para apreciar a agitação dos terraços dos muitos restaurantes existentes em volta da praça, comendo um tajine ou tomando um delicioso e tradicional chá de menta açucarado. Os passeio de charrete (ou caléche) também saem próximos da praça, tanto durante o dia, quanto à noite.

Uma das muitas barracas de comidas dispostas em longas fileiras

Alguns turistas podem ficar apreensivos de permanecerem na praça à noite, eu mesma vi alguns cuja curiosidade parecia brigar com o sentimento de insegurança. Como qualquer lugar turístico com muita aglomeração de pessoas, é bom tomar alguns cuidados e ficar atento. Não há assalto, mas podem existir alguns trombadinhas. Porém, nada que atrapalhe a diversão. A Djemaa el Fna é o coração e a alma de Marrakech, um lugar inesquecível que, com certeza absoluta, merece ser visitada e experimentada em tudo que ela oferece.

Uma mistura de aromas vindo das barracas permeia todos os cantos da Djemaa el Fna

 

Na medina de Marrakech

No primeiro dia em Marrakech, saímos logo cedo em direção à medina, um lugar, sem dúvida alguma, que desejávamos muito conhecer. É na medina que estão muitos dos pontos turísticos da cidade, incluindo a emblemática praça Djemaa El Fna, e é onde sentimos mais de perto o Marrocos em sua essência mais pura, mesmo em uma cidade turística como Marrakech.

A medina de Marrakech é um pouco diferente da que visitamos em Fès, as ruas são mais amplas e, embora também não haja carros, motos podem entrar. Nesse caso, assim como em Fès, tanto para as mulas, ou taxis da medina como eles chamam, quanto para as motos, é necessário sair da frente quando se escuta Balak Balak, que quer dizer atenção em árabe. É um aviso que a moto ou a mula carregada de coisas irá passar.

Mapa da medina de Marrakech

A medina de Marrakech também era menos movimentada que a de Fès, podíamos andar mais tranquilamente, sem precisarmos nos espremer nas paredes a cada Balak Balak que ouvíamos, porém essa diferença também era devida ao fato que visitamos a medina de Fès na véspera do feriado religioso chamado O Sacrifício de Abraão, e toda a população de Fès parecia estar na medina comprando os preparativos para a festa.

Bom, salvo as diferenças e as comparações inevitáveis entre as duas cidades, visitar a medina é sempre um passeio imperdívei e digamos até que necessário. É sempre divertido, um mundo exótico e antigo que se abre para nós assim que atravessamos os portões e muros tão imponentes quanto históricos.

Detalhe da porta de uma das casas da medina

São dois mundos divididos pelos muros: a Ville Nouvelle, a parte nova da cidade com prédios em estilo art-decó e influência francesa e a medina ou cidade antiga, um mundo que parece ter ficado parado no passado.

Ao passar pelos portões nos encontramos no meio de um frenesi de pessoas, sejam turistas, nativos, vendedores ou compradores, além das motos, transitando pelas ruelas. Ali dentro encontramos de tudo, desde dentaduras (arghhh) até tapetes belíssimos, tudo à venda, sempre com um “special prrrice forrrr you my frrriend”. Há souks especializados em tapeçaria, especiarias, objetos de bronze e prata e roupas.

Por todos os lados lojas que convidam a entrar
Tapetes e mais tapetes, o principal desejo de compras dos turistas

Além das lojas dos souks, também há muitas bancas vendendo frutas secas, doces, incensos, suco de laranja, dentre outras coisas. É uma mistura de aromas, cores e gente, formando uma sinfonia de uma cultura única que permaneceu quase imutável ao longo dos anos.

Winston Churchill dizia que se a pessoa tivesse apenas um dia no Marrocos, que passasse esse dia em Marrakech. Complementando a frase, eu diria que se você tiver apenas um dia em Marrakech, passe a maior parte do tempo dentro da medina.

Banca de frutas secas

Um dos pontos altos, mais divertido e também abarrotado de gente é a famosa praça Djemma El Fna, palco de um cenário humano tão incrível que merece ser descrita em um post a parte.

Do lado de fora também é interessante caminhar, para ver os muros que cercam a medina, levantados no século XII. Os tons ocres dão um toque todo especial, formando mesmo um cenário de filme das 1001 noites. A cor característica é devido à tabia, material usado na sua construção que corresponde à terra vermelha da planície, misturada com cal.

Imponente muralha vista do lado de fora da medina

São 19 km de muralha circundando a medina. São necessárias 2 horas de charrete, um modo agradável de se locomover em Marrakech, para percorrer toda a muralha. A visão é de uma beleza ímpar, que nos remete serenidade diante da imponência  dos muros de 9 metros de altura e 2 metros de espessura. Muros que parecem não se afetar pelos anos, pelo vai e vem de turistas ou pela tecnologia.

Se do lado de dentro há um alvoroço de gente, motos e mulas, do lado de fora temos calmaria e uma aparente tranquilidade. Uma visão romântica e exótica, apesar da seriedade e dureza das paredes.

Alvoroço do lado de dentro e serenidade do lado de fora da medina

Marrakech – No palácio da preferida do grão vizir

Após visitarmos a mesquita Koutoubia, fomos até o Palais Bahia (pronuncia Barria), cujo nome significa Palácio da Bela. Esse magnífico palácio fica no bairro judeu Mellah, que até 1936 era o maior bairro judeu do Marrocos.

Átrio na entrada do Palais Bahia repleto de árvores

O palácio foi construído no final do século 19 pelo grão vizir Ba Ahmed para a sua preferida, que era obviamente a Bahia. Lá era a residência da família do grão vizir, composta por 4 esposas, 24 concubinas e incontáveis crianças. Dá para imaginar o ciúme que devia existir no local. Quando perguntei ao guia sobre a existência de ciúme, inveja ou brigas, ele me respondeu “Sim, sim! Molto, molto veneno“. Pelo visto, a Bahia devia ter que tomar muito cuidado com as demais esposas e concubinas do famoso grão vizir.

Provavelmente, já pensando nisso, o layout dos quartos, corredores e portas foi construído de forma a garantir que seu ocupante tivesse privacidade, evitando que houvesse encontros desagradáveis entre os moradores.

Detalhe da pintura do teto da sala principal do primeiro átrio do palácio

A construção é um belo exemplo da arquitetura residencial da época, cobrindo cerca de 8 hectares. Logo que entramos vemos um átrio com um grande jardim repleto de árvores como laranjeiras, coqueiros e até bananeiras e também muitas flores. O átrio é rodeado por vários quartos e salas dispostos lado a lado.

Riqueza de detalhes por todos os cantos
Inscrições em árabe também enfeitam o alto das paredes

Os quartos possuem tetos pintados de forma sofisticada, o que me fez pensar em como foi feito na época, com tantos detalhes e desenhos. Uma vez que a religião muçulmana proíbe a reprodução de formas humanas e animais, os marroquinos se especializaram em pinturas de desenhos geométricos, flores e arabesques resultando em lindas pinturas, ricas em detalhes, formas, combinações e cores.

Algumas paredes são brancas, sem pinturas ou desenhos, contrastanto com a riqueza de cores dos tetos, mas isso era porque na época eram cobertas por cortinas e tapetes.

Em cada quarto, uma pintura diferente e bela
Interior de um dos quartos do Palais Bahia

Continuando a visita, chegamos a outro átrio, ainda maior, também ladeado por mais quartos, todos com belas portas de cedro pintadas com detalhes geométricos ou flores. Por último há um outro jardim, também maior que o primeiro, com mais árvores e flores. Lá era o local de lazer e descanso das esposas e concubinas. Na época em que era habitado, havia também muitos animais nesse jardim. As portas possuem aberturas em forma de circunferência na parte de baixo que servia para os animais de pequeno porte, principalmente os gatos das mulheres, passarem de um local para outro.

Maior átrio do palácio rodeado por fontes e quartos e salas amplos

No total, foram necessários 7 anos para que o Palais Bahia fosse concluído, o que deu origem à divertida expressão marroquina “O Bahia finalmente terminou“, usada em casos onde as negociações demoram muito para finalizarem.

Detalhe da pintura em uma das portas de cedro

Imagino como o palácio deveria ser belo na época do seu esplendor, visto que hoje em dia ainda guarda muito da sua beleza. A Bahia deve ter ficado muito feliz, pois não poderia ter ganho residência melhor.

Sem dúvida, é um local que merece ser visitado. O Palais Bahia é aberto diariamente entre 8:45 e 11:45 e das 14:45 as 17:45, com exceção de sexta que reabre mais tarde na parte da tarde, às 15:00. O ingresso custa 10 dihans, aproximadamente 1,00 euro.

A mesquita Koutoubia, símbolo de Marrakech

O primeiro lugar que visitamos no dia seguinte a nossa chegada em Marrakech foi a mesquita Koutoubia, localizada na avenida Mohammed V, próximo à praça Djemaa el Fna, o coração da medina. Eu particularmente estava muito ansiosa para visitá-la, pois havia lido vários relatos sobre sua beleza e imponência únicas. A visita é apenas do lado de fora, já que a entrada é proibida para não muçulmanos.

O minarete da Koutoubia domina a paisagem na avenida Mohammed V

o nome Koutoubia significa escritores. Uma das explicações para a mesquita ter esse nome era porque lá era o local onde se escreviam os livros. Outra explicação é que antigamente havia um mercado de livros nas proximidades.

A mesquita é considerada pelos marroquinos como tendo o minarete mais belo de todo o norte da África. Ela foi construída pelo sultão Yacoub Al Mansour, cujo desejo era construir 7 mesquitas para entrar no céu e ser recebido por 14 virgens. Sua construção teve seu início em 1150, terminando somente 40 anos depois.

O monumento é um típico exemplo da arte moura no país. Sua arquitetura serviu de modelo para outras duas mesquitas, a de Servilla, conhecida como Giralda, e a não terminada Hassan, a mesquita que rendeu boas histórias para os marroquinos em Rabat, mas não o paraíso para o sultão megalomaníaco, que morreu antes de finalizar a sétima mesquita.

 

A mesquita é rodeada por um belo jardim

Seu desenho é de uma beleza simples porém sofisticada, com formas detalhadas e proporcionais, daí sua fama de ser um dos monumentos mais bonitos da região do Maghreb (norte da África). Seu minarete possui 77 metros de altura com paredes de 13 metros de largura. Ele pode ser visto em um raio de até 25 kilômetros. Isso é favorecido também pela tradição marroquina de que nenhuma construção pode ser mais alta do que o minarete das mesquitas, pois seria arrogância construir uma casa ou prédio mais altos do que qualquer edifício, nesse caso as mesquitas, dedicado à Deus.

Outras construções e casas também foram influenciadas pela arquitetura da Koutoubia. A larga faixa vista na parte superior formada por cerâmica, as ameias pontiagudas no parapeito, a decoração diferente em cada lado da torre, os pequenos arcos e vários outros motivos decorativos florais, arabesques ou de caligrafias em relevo, podem ser visto em muitos edifícios espalhados por todo o Marrocos.

Detalhes do alto do minarete, com as faces que diferem entre si

No alto do minarete há três grandes esferas de cobre de tamanhos decrescente, um quesito tradicional nas mesquitas do país. A maior delas, que fica abaixo de todas, possui um diâmetro de dois metros. Normalmente são apenas três, porém, como tudo no Marrocos tem uma história, a Koutoubia não poderia ficar de fora. Diz a lenda local que a quarta esfera existente no alto foi um presente da esposa do sultão Yacoub el Mansour, como penitência por quebrar o jejum de três horas durante o Ramadã.

Visão da lateral e fundos da mesquita

A Koutoubia é rodeada por um belo jardim, um lugar ideal para uma parada de descanso onde podemos admirar com uma certa tranquilidade a beleza da arquitetura da mesquita. Digo com certa tranquilidade pois com toda certeza aparecerão vendedores de artesanatos e outras coisas procurando por turistas. No nosso caso, um insistente vendedor de roupas apareceu enquanto fotografávamos a frente da mesquita.

Lateral direita da mesquita vista do jardim

Pela sua beleza, história e símbolo de religiosidade do país, a Koutoubia domina a paisagem no horizonte de Marrakech. Além de ser tida como uma casa de espiritualidade para os marroquinos, a mesquita também é um must to see para turistas de todo o mundo. Não é à toa que alguns livros comparam sua importância turística para Marrakech sendo tão grande como a da Torre Eiffel para Paris.

Marrakech, um sonho das mil e uma noites

Marrakech foi a última cidade que visitei no Marrocos, ela é uma das quatro cidades imperiais, ao lado de Rabat, Meknès e Fès. Chegamos em Marrakech ao entardecer, o que nos favoreceu com uma bela vista composta por tons rosas e ocres tanto no céu ao pôr do sol quanto nas muralhas e casas. Um espetáculo que já anunciava o encantamento da cidade, estar em Marrakech era verdadeiramente um sonho.

Chegada em Marrakech ao entardecer

Assim como as demais cidades, Marrakech também tem uma cor característica, que é obviamente o vermelho, facilmente visto em suas construções e muralhas. A cor é devida à  argila vermelha extraída da terra e das montanhas para a fabricação dos tijolos.

Os muros de Marrakech, a Cidade Vermelha
Uma cegonha fez seu ninho no portão mais famoso da muralha da medina de Marrakech, o Bab Agnaou

Marrakech passou por 5 dinastias. A cidade, fundada em 1070, foi capital do Marrocos durante as dinastias almorávida e almoáda, porém foi abandonada durante a dinastia dos merenidas. Os saadianos devolveram o mérito à Marrakech, entretanto os alaouítas preferiram desenvolver as outras cidades imperiais como capitais do reino e assim, novamente Marrakech foi preterida, para dar lugar para as demais cidades imperiais.

Por todos os lados há as construções com tons de rosa dando charme e característica única para Marrakech

Durante o seu auge, Marrakech foi capital do império que se extendia desde o Saara até o Ebro e do Atlântico ao Algiers. Hoje em dia, parece haver alguma rivalidade entre Fès e Marrakech, no que diz respeito ao  patrimônio cultural e religioso de ambas cidades.

Porém, Marrakech mantém sua importância pela localização geográfica favorecida, é a porta de entrada para o deserto do Saara ao mesmo tempo em que está perto do oceano Atlântico. Junte-se a isso o fato de ser altamente turística, sem no entanto, perder suas características que a fazem ser tão única.

Um homem caminha na medina com a roupa típica de inverno, a jelaba
Visão de uma das ruelas da medina de Marrakech

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A importância de Marrakech se reflete até mesmo no nome do país, afinal Marrocos deriva de Marrakech, enquanto que seu próprio nome provavelmente deriva da palavra bérbere Mur-Akush que significa Terra de Deus.

A cidade conhecida como Pérola do Sul, Cidade Vermelha ou Porta do Sul se divide em dois distritos constratantes, a medina, fundada pelos almorávidas aproximadamente 1000 anos atrás e a Ville Nouvelle, fundada pelos franceses no início do século 20, com arquitetura mais moderna, sempre lembrando o estilo art-decó.

Tranquilidade em um boulevard da cidade mais turística do Marrocos

Marrakech é a verdadeira capital turística do Marrocos, um oásis em tons ocre pronto para receber qualquer viajante. Entrar na cidade passando pela avenida ladeada por incontáveis palmeiras já foi um prenúncio do que estaria por vir. A ansiedade aumentava ainda mais vendo tantas palmeiras em um lindo pôr do sol rosa e azulado.

É praticamente impossível se referir à cidade sem usar os adjetivos exótica e mágica, afinal, Marrakech é diferente de tudo o que eu já tinha visto. É única em seu jeito de ser, é onde fica mais clara a mistura marroquina árabe e africana com pitadas de influência européia.

Encantador de cobras na enigmática praça Djemaa El Fna

A cidade vibra, encanta, provoca com seus enigmas e atrai turistas do mundo todo, curiosos para desvendar seus mistérios. É uma jóia encravada no coração do Marrocos e ponto de partida para o deserto do Saara.

Marrakech como um todo, seja dentro da medina ou na Ville Nouvelle, parece um cenário de filme. É como voltar no tempo e fazer parte de alguma cena daqueles filmes com cenários exóticos, aparentemente fictícios, aqueles que parecem existir somente na nossa imaginação ou em algum lugar perdido no passado.

Andando por suas ruas, medina, boulevard ou jardins, vem um pensamento à cabeça, é mágico, é belo, é um sonho das 1001 noites, é Marrakech!!

Cantores no restaurante do bairro judeu Mellah

São vários os lugares para conhecer na cidade, incluindo a medina e suas atrações imperdíveis como o magnífico Palace Bahia, a famosa mesquita Koutoubia e a inexplicável praça Djemaa El Fna com suas duas faces contrastantes: dia e noite, as belas tumbas saadianas, os jardins Menara e Majorelle, a noite mágica no restaurante Chez Ali com a apresentação de cavalos bérberes, dentre outros.

Pode-se locomover na cidade por taxi ou charrete. O passeio nas charretes, ou caleches, podem ser comprados na praça Djemaa El Fna ou até mesmo nos boulevards e avenidas da cidade. O preço obviamente tem que  ser combinado e barganhado, como tudo no Marrocos. Quanto aos taxis, já falei deles nesse post de Casablanca, mas vale a pena lembrar que estes devem ter taxímetro preferencialmente, pois o preço combinado com certeza sairá mais caro.

Nosso "solícito" taxicista que nos levou ao Jardin Majorelle

Nós pegamos um taxi no último dia para ir até o Jardin Majorelle. Foi bem tranquilo, porém no meio do caminho o taxista parou em frente a um comércio e disse calmamente que poderíamos fazer nossas compras lá enquanto ele esperava. Nesse caso, tem que deixar claro que o objetivo é outro. Embora ele afirmasse que o Jardin Majorelle ainda estava fechado (o que descobrimos mais tarde que não era verdade), nós agradecemos a oferta, mas fomos claros em dizer que nosso interesse era conhecer o jardim e não fazer compras naquele momento.

Apresentação de música típica bérbere no Chez Ali

Marrakech não encanta somente a turistas, mochileiros e viajantes comuns. Famosos como Winston Churchill e Yves Saint Laurent não apenas declaram sua preferência pela cidade como, no caso de Yves Saint Laurent, até se mudaram para lá. Mr Churchill dizia “Se você tem só dia para passar no Marrocos, passe-o em Marrakech“. Bem, sem dúvida, ele estava certo, apesar que eu adicionaria Fès e sua inesquecível medina para competir por esse único dia.

Andar de charrete, ou caleche, é uma forma divertida e romântica de conhecer Marrakech

Na dúvida fique com as duas cidades, melhor ainda, fique com todo o Marrocos e suas mesquitas, medinas, palácios, mausoléus, artesanatos e paisagens deslumbrantes.

Para saber mais:

Madein-marrakech
Marrakech.net
Visit Morocco

 

Cidades, lagos e montanhas entre Fès e Marrakech

No caminho de Fès até Marrakech, passamos por várias cidades e povoados que merecem ser mencionados aqui, além, é claro, da bela paisagem. A primeira cidade por que passamos foi Ifrane, que fica a cerca de uma hora de Fès. Lá fizemos uma breve parada para tirar algumas fotos. Ifrane é mais conhecida por ser a cidade do esqui. É o local para viajar nos feriados e férias dos marroquinos. As muitas casas existentes por lá não são em geral habitadas, são somente para o período das férias, seja para esquiar ou durante o verão. As famílias proprietárias são de Casablanca, Agadir, Tânger ou de países da Europa.

Ruas amplas e limpas em Ifrane, a cidade do esqui

Ifrane é chamada no Marrocos como a Suiça Marroquina por causa do esporte, do clima mais frio, dos jardins e chalés de telhados vermelhos. A cidade fica a 1650 metros de altitude, durante o inverno fica toda coberta de neve, o que atrai muitos turistas para a estação de esqui Michliffen.

Seu nome significa caverna, local onde as tribos bérberes habitavam. A cidade foi criada em 1929, pelo protetorado francês. Sua fama fez com que a cidade merecesse ser local para a construção de mais um palácio real, com telhados verdes, conforme a tradição manda.

A cidade é conhecida como a Suiça Marroquina

Mas nem só de inverno vive Ifrane, a cidade se tornou destino turístico também no verão, uma vez que habitantes de cidades próximas como Fès, Meknès e El Hajeb viajam para lá com o objetivo de escaparem do forte calor nos meses de julho e agosto. O local é sem dúvida muito charmoso e agradável, além de aparentar ser muito tranquilo também.

Leão  de pedra em Ifrane, um dos símbolos da cidade

Continuando, viajamos por muito tempo vendo a paisagem coberta pelas forestas de lindos cedros. Essas imponentes árvores podem chegar a 30-40 metros de altura. Essa é a região do Médio Atlas, onde o melhor fica mesmo por conta da paisagem fomada pelos cedros e as montanhas ao fundo, atrás delas está o deserto do Saara.

A proxima cidade por que passamos foi Azrou, onde curiosamente há uma coroa de ferro em cima de uma rocha. Azrou é mais uma cidade formada por bérberes e foi a primeira cidade real do Médio Atlas.

Os bérberes são os verdadeiros nativos do Marrocos. Eles já habitavam a região antes da invasão árabe. Devido às diferenças culturais e ao fato da dominação de um povo sobre o outro, árabes e bérberes não são o que podemos chamar de amigos. Conforme um bérbere me disse, os árabes acham que os bérberes são um povo de segunda categoria, mas os bérberes acham que os árabes são de quinta categoria… Por ai se vê a animosidade entre os dois povos que cohabitam no mesmo país.

Coroa no alto das rochas na cidade bérbere Azrou

De volta à estrada, tivemos uma bela surpresa ao chegarmos no lago El Hansali. Uma parada obrigatória para apreciar a paisagem formada pelo grande lago e as montanhas em volta. Um bom lugar para descansar, esticar as pernas e aproveitar para tirar belas fotos.

Lago El Hansali, parada obrigatória para apreciar a bela paisagem

Outras pequenas cidades que atravessamos foram Kenifra e Alkhala, essa última conhecida pelas minas de fosfato, um importante produto da economia do Marrocos, e pela raça de ovelhas que produzem leite. Já Kenifra é famosa por seus cavalos, uma paixão dos povos bérberes, e também pela beleza das mulheres bérberes, cujo principal atrativo são os olhos grandes.

É nítido o orgulho com que os bérberes falam de suas mulheres, tidas por eles como belas e trabalhadoras. São mulheres que se casam cedo, por volta dos 16 anos. Durante a vida de casada, elas dão à luz muitos filhos. Para a família bérbere, quanto mais filhos, melhor, pois os filhos podem ajudar a família no trabalho diário, seja em casa ou no deserto. Além disso, os filhos dão continuidade ao nome das famílias e ajudam a construir seus patrimônios.

Os bérberes também fazem questão de mencionar a beleza dos homens do deserto, conhecidos como tuaregues, homens que se vestem em geral de azul e preto e pintam uma faixa preta abaixo dos olhos para protegê-los dos fortes raios do sol no deserto. Os tuaregues são tidos como os homens mais bonitos do Marrocos, são morenos, altos, magros e de olhos grandes, sinal de beleza tanto para os povos árabes quanto os  bérberes. Esses homens são nômades do deserto e costumam criar muitos cavalos.

As montanhas Atlas acompanharam a paisagem o tempo todo do trajeto

Foi muito interessante passar por estas cidades e vilarejos menores, mas nem por isso desinteressantes. Lá pudemos ter um pouco mais de contato com os povos bérberes e seus costumes. Pena que não deu tempo para conhecer o deserto, mas com certeza, no futuro iremos incluir essa parte quando retornarmos ao Marrocos.

Além das cidades, a paisagem foi algo que, por si só, valeu a viagem. As montanhas Atlas dominaram o cenário com sua imponência e beleza. Uma visão que nenhuma foto consegue reproduzir, independente da quantidade de megapixels ou qualidade da lente.

Ao final do dia, chegamos à tão sonhada Marrakech, mas isso é assunto para os próximos posts.

No caminho de Fès a Marrakech, vivenciando a festa religiosa no Marrocos

No último dia em Fès, arrumamos nossa bagagem e saímos cedinho rumo à tão esperada Marrakech. Esse era um dia muito especial no Marrocos, e acredito que em todos os países muçulmanos também, afinal era a festa religiosa conhecida como O Sacrifício de Abraão ou a Festa do Cordeiro, fazendo referência à passagem bílbica onde Deus pede para Abraão sacrificar seu filho em honra a Ele, porém, na hora do sacrifício, um anjo é enviado e entrega a Abraão um cordeiro para ser sacrificado no lugar de seu filho Isaque (Gênesis, 22:1-19).

Desde nosso primeiro dia no Marrocos, em Casablanca, que víamos pessoas carregando cordeiros em carros, camionetes, carrinhos de mão e até mesmo nos próprios ombros. A mesma cena se repetia várias e várias vezes em Rabat, Meknès e Fès. Isso obviamente despertou minha curiosidade e foi então que descobri, que toda aquela movimentação era na verdade os preparativos para a festa religiosa, assim como as compras de Natal para nós.

Nas ruas de Casablanca, o comércio de cordeiros por todos os lados

A medida em que se aproxima a data, o comércio de cordeiros fica ainda mais intenso. A movimentação dentro da medina aumenta ainda mais, com pessoas agitadas comprando todos os preparativos para a grande festa.

No dia em si, as pessoas parecem mais calmas, mais tranquilas, mais centradas na festividade. Logo cedo, elas tomam um café da manhã bem especial e vão para as mesquitas participarem do culto. Os homens se dão quatro beijos para desejar boas festas. As crianças ganham roupas e sapatos novos, doces, presentes e dinheiro. Nesse ponto, a festa religiosa é parecida com o Natal com relação à importância da data e à troca de presentes. No entanto, as similaridades param por ai.

Em Casablanca víamos várias camionetes carregando cordeiros para diversas famílias

Quando as pessoas voltam da celebração na mesquita, elas dão início ao sacrifício do cordeiro e ai entra a parte que, para nós ocidentais, é difícil de compreender. As famílias vão então para a frente de suas casas e lá sacrificam o animal. Depois disso o penduram de cabeça para baixo para que todo o sangue escorra. O significado da festa está justamente no sacrifício do cordeiro, por isso não se pode apenas comprar a carne, deve-se comprar o cordeiro vivo e sacrificá-lo na frente da casa. Isso para reviver o sacrifício de Abraão, patriarca de todos os muçulmanos, que iria ceder seu filho a Deus. Sendo assim, as pessoas fazem esse ritual para atrair as bençãos de Deus para sua família e descendentes, uma vez que eles próprios são descendentes de Abraão. Assim, eles mantém vivo o compromisso de Abraão e sua descendência para com Deus.

Eu, particularmente, apesar de respeitar a fé e crença de cada um e de entender o forte significado religioso, não me senti bem com a questão do sacrifício. Quem me conhece, sabe como sou apegada a bichos e por isso decidi não olhar para nenhuma casa onde estivesse acontecendo o sacrifício. Essa atitude me rendeu muitas horas de viagem sem olhar para a estrada, pois por todos os lados haviam famílias comemorando a data.

Um rapaz leva seu cordeiro em um carrinho de mão em Meknès

Mesmo para eles é difícil encarar o ato de matar o cordeiro, principalmente para as crianças. Esse é o motivo pelo qual elas recebem mimos como presentes e doces, afinal os pequenos se apegam ao cordeiro nos dias em que precedem a comemoração e acabam sofrendo quando ele é morto. Alguns adultos também ficam sentidos. Nosso guia me contou que ele ainda lembra de quando era criança e via o cordeiro sendo morto. Ele também mencionou que, mesmo agora sendo adulto, não tem coragem para sacrificar o cordeiro. Quando isso ocorre,  um vizinho é chamado para executar a tarefa. Isso não deixa de ser um bonito ato de solidariedade, esquecendo de que se trata do ato de matar um bicho.

Outro ato de solidariedade religiosa é o fato de que famílias ricas costumam comprar dois 2 cordeiros, um para elas e outro para doarem a uma família pobre que não tem condições de adquirirem um. Dessa forma ninguém fica sem comemorar o dia religioso.

A mesma cena se repete nas ruelas da medina de Fès

No dia da festa mesmo não se come a carne, só no dia seguinte. Esse também é um dos motivos pelo qual o café da manhã é bem reforçado. No dia festivo, apenas o sangue é derramado lembrando o ato de Abraão, nos demais dias que se come a carne e depois aproveita até mesmo o couro do carneiro.

A Festa do Cordeiro não tem data fixa para ocorrer, assim como nossa Páscoa. Ela corresponde  ao final do ano muçulmano. Nesse caso, o  ano que começava para eles era o 1432, enquanto que para nós era novembro de 2010. O ano 1 islâmico corresponde ao nosso ano 622. Na verdade, eles seguem o calendário lunar, ao contrário de nós que seguimos o calendário solar ou gregoriano. No Islam, o ano começa com a fuga de Maomé de Meca para Medina (Hegira). O calendário possui 12 meses como o nosso, porém são mais curtos, com 30 ou 29 dias, o que dá 355 ou 354 dias, 11 dias a menos que o calendário gregoriano.

De um jeito....
....Ou de outro, o cordeiro vai para casa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vivenciar essa festa religiosa foi bom pelo fato de poder conhecer mais da cultura e fé do marroquino, porém para ser sincera foi um momento bem difícil para mim, por amar aos bichos (embora eu coma carne) e também pelo forte sentido religioso, envolvendo filhos e sacrifício. Mas de tudo, ou quase tudo, tiramos uma boa experiência e lição de vida.

À tarde, as casas, ruas e estradas ficaram silenciosas e aparentemente vazias. No final do dia, somente as viúvas dos carneiros permaneciam nos campos.

Ao final do dia, somente as viúvas dos cordeiros restam nos pastos na beira da estrada

 

 

 

Marrocos, um país nem tão perto mas também não tão longe

Marrocos sempre foi um sonho para mim, porém apesar de desejar conhecer o país, acabava sempre escolhendo outro destino na hora de arrumar as malas, na maior parte das vezes a Europa. Foi assim em 2006 e 2007, quando, em ambas as ocasiões, acabei optando pelo Velho Continente ao invés do Marrocos.

E dessa vez não foi tão diferente afinal, eu estava pesquisando roteiros para Egito ou Turquia, quando me deparei com a descrição de um roteiro para Tunísia e Marrocos. Bom, devido a restrições de disponibidade de tempo, a Tunísia foi deixada para uma outra oportunidade e, dessa vez, Marrocos sobressaiu como o destino certo para a ocasião.

É claro que a Europa, minha eterna paixão, acabou sendo de uma forma ou de outra incluída na viagem, com uma rápida passagem pela Espanha com direito a muitos tapas e vinhos. Porém a Espanha fica para outro post. Vamos voltar ao Marrocos.

 

Estreito de Gibraltar. Apenas 14,4 km separam Espanha e Marrocos.

É incrível como muitas pessoas (e me incluo aqui) imaginam a África um destino tão longe, mas não a Europa, sendo que Espanha e Portugal são países vizinhos ao Marrocos. A viagem para esse belo país africano provou para mim que, afinal de contas, a “África é logo ali” (como diria o Vanucci).

Mesmo quando pensamos no custo de uma viagem à África, podemos nos surpreender, pois uma pesquisa de roteiros, pacotes e passagens me mostrou que ir para o Marrocos, Tunísia ou Egito pode ser mais barato do que uma viagem aos nossos vizinhos Chile ou Peru.

Marrocos é um país encantador logo no primeiro contato. Seu povo, sua cultura, sua arquitetura, sua arte, seu jeito especial de ser uma mistura árabe e africana com uma pitada européia, o tornou um lugar cativante, especial, um país que sentimos saudades mesmo antes de partir.

E quando saimos do Marrocos somos impregnados com a eterna sensação de que devemos voltar, seja para rever suas maravilhas, seja para conhecer novos encantos.

Simpatia e hospitalidade dos marroquinos na Mesquita Hassan II em Casablanca

Sua cultura complexa é formada por árabes e berberes e remonta a tempos antigos construídos durante várias invasões de árabes e europeus (romanos, e mais recentemente franceses, portugueses e espanhóis). A história do Marrocos está intimamente ligada à sua localização geográfica. Objeto de desejo de muitos impérios durante séculos, desde o Império Romano até o protetorado francês, sendo que o Reino do Marrocos ganhou sua independência efetiva somente em 1956.

Ponto de encontro das principais caravanas de comércio e excepcional base militar estratégica, o  Marrocos conseguiu enriquecer seu patrimônio cultural a partir de todas essas ricas experiências históricas. O resultado foi uma mistura de cultura e arte hoje plenamente expressas através da diversidade de línguas faladas no Marrocos (árabe, berbere e francês), das religiões que convivem em harmonia (islamismo, judaísmo e cristianismo), e de seus magníficos artesanatos, fabricados há séculos quase que da mesma forma.

 

Interior da medina de Fès, a maior e mais antiga medina do mundo árabe

O Marrocos preservou sua identidade e valores ao longo dos séculos, sem no entanto deixar de se modernizar e de investir em seus recursos, principalmente na exploração do fosfato e no setor de turismo.

A imagem que nos traz é de um povo forte e sereno ao mesmo tempo, ligado em seus valores tradicionais, porém livre de extremismos religioso ou político.

 

Jelaba, a roupa típica de inverno usada no Marrocos

O Islamismo é a religião oficial do país, sendo parte fundamental da história do Marrocos há 14 séculos, orientando a vida espiritual marroquino. O Islã está presente no coração da vida marroquina, através dos costumes, arquitetura e educação. A chamada para a oração pontua a vida das mesquitas marroquinas, mausoléus e escolas corânicas. São hinos fortemente presentes no cotidiano das pessoas.

No entanto, o reino do Marrocos continua a ser essencialmente uma terra de tolerância, onde todos os credos vivem em harmonia. Por séculos, marroquinos judeus e muçulmanos convivem em respeito um ao outro, garantindo a liberdade de culto para uma comunidade diversificada, amigável, equilibrada e hospitaleira.

Muçulmano aguardando o chamado da Mesquita

A complexidade desse país nos desafia a descrevê-lo, mesmo que eu tentasse uma lista imensa de palavras e adjetivos, ainda assim o resultado seria simplificado e superficial. Afinal palavras não conseguem transmitir a beleza das montanhas Atlas, a singularidade de Marrakech, a riqueza dos detalhes encontrados nos mosaicos e outros artesanatos ou o sabor do chá de menta servido em todos restaurantes.

Eu a caráter no Hari Souani construído por Moulay Ismail em Meknès

Uma viagem ao Marrocos não se resume apenas em conhecer suas cidades, montanhas ou deserto. É mais do que isso. O país nos convida a um mergulho em sua cultura milenar, sua língua, sua escrita, seus mosaicos magníficos, sua gente.

Um passeio ao Marrocos não acontece sem sentir a vida pulsante e intensa existente dentro dos muros das medinas, sem sentir os mais diversos odores e cores de suas especiarias, dos tajines e cuscuz servidos em todos os lugares, sem ser arrastado para a multidão composta por nativos e turistas na praça Djemma El Fna, repleta de encantadores de  serpentes, adestradores, contadores de história, performistas e outros em busca da atenção e moedas dos turistas.

Sem dúvida alguma, Marrocos é um país cheio de encantos e surpresas, que nos presenteia com a magia das 1001 noites e, principalmente, com um destino prazeroso e inesquecível.