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Belfry, o campanário cheio de histórias e segredos de Gent

O Belfry ou Campanário é o símbolo da autonomia e independência da cidade de Gent. É impossível não localizá-lo facilmente, uma vez que sua torre de 93 metros de altura é vista de vários pontos da cidade.

De qualquer forma, ele fica na praça Sint-Baafsplein, bem no centro histórico e perto das outras duas torres medievais com vista para a cidade velha, a Catedral de São Bavão (Sint Baafskathedraal) e da Igreja de São Nicolau (Sint Niklaaskerk). Sua altura faz com que seja o campanário mais alto da Bélgica.

Um orgulho na história da cidade, construído entre os séculos XIII e XIV. Nessa época, Gent precisava de um prédio especial onde os documentos da cidade pudessem ser mantidos em segurança e de onde a guarda da cidade pudesse manter vigia.

Dessa forma, o Belfry tinha três diferentes funções. A primeira era a manutenção dos privilégios municipais. Estes eram mantidos em um baú na sala de sigilo, ou “Het Secreet”, o salão no térreo do campanário, desde 1402. Essa é a primeira sala que vemos quando entramos no campanário.

Essa sala possuía duas portas, cada uma equipada com três fechaduras. As chaves de cada fechadura eram guardadas por três diferentes associações de artesanato. Dentro da Het Secreet, os documentos ainda eram guardados em um baú com dezoito compartimentos, e que também era trancado por três chaves, uma guardada pelo oficial de justiça e as outras duas pelos guardiões da cidade.

Isso sim é que é segurança!

A segunda função do campanário era servir como torre de vigia. Desde 1442 até 1869, os guardas, juntamente com os tocadores de trombeta e de sinos da cidade formavam o que era conhecido como os “Homens que Guardavam Gent”.

A vida dos guardas não era fácil. Eles tinham de percorrer o parapeito a cada hora para demonstrar que não estavam dormindo em serviço. Suas tarefas incluíam ficarem sempre atentos a um possível ataque inimigo, soarem o alarme em caso de incêndio e tocarem os sinos durante períodos de grande perigo.

E falando em sinos, chegamos à terceira função do Belfry, que inclui o carrilhão e sinos. Inicialmente, os sinos eram usados ​​para fins religiosos, porém, devido ao crescimento das cidades na Idade Média, os sinos eram mais frequentemente usados ​mesmo ​para regular a vida diária dos habitantes.

O sino de alarme, que foi instalado no campanário 1325, foi de 1378 em diante também usado como sino de hora em hora. Depois disso, o carrilhão foi gradualmente expandindo para 53 sinos após a restauração em 1982, com o último sino sendo acrescentado em 1993.

O Belfry foi reconhecido patrimônio mundial da UNESCO em 1999. Ele entrou para a lista junto com outros campanários da Bélgica e França. Na verdade um grupo de 56 construções históricas!

Vale muito a visita. Caindo no clichê mais básico, andar pelo campanário e subir suas escadas é voltar no tempo. Mais do que isso, é sentir a atmosfera dos tempos áureos de Gent.

De brinde, ainda temos a linda vista que se tem da cidade do alto do campanário. Como falei anteriormente, ele faz parte das torres medievais de Gent.

Além disso, ainda é possível ver um dos orgulhos de Gent, o famoso dragão de cobre que foi colocado na torre em 1377. O dragão era visto na história de Gent como o guardião simbólico da liberdade da cidade durante séculos. Há várias lendas populares ao redor dele, como sempre há para símbolos históricos. Segundo a história do dragão, ele mantinha não apenas os olhos na cidade, mas era também o guardião dos privilégios tão bem seguros dentro do campanário.

Curiosamente, o Belfry não sofreu nenhum incêndio durante a sua história, como sempre acontece com construções medievais. É, talvez, o dragão mascote da cidade tenha também impedido qualquer risco de incêndio, ou foram os incansáveis guardas que executaram muito bem a sua tarefa de proteger Gent.

Eu particularmente gostei mais do Belfry de Gent do que o de Bruges, cuja arquitetura é um tanto quanto desengonçada para mim.

Grudadinho no campanário encontra-se o antigo Salão de Rendas, ou Lakenhalle, construído entre 1425 e 1445. O local servia como ponto de encontro dos poderosos comerciantes da indústria de tecidos que tanto tornaram a cidade próspera na Idade Média.

Junto a ele ainda há a prisão municipal, com uma fachada datada de 1741. É fácil reconhecer a fachada, pois há nela uma escultura em relevo logo acima da entrada representando a antiga lenda de Simon, um romano sentenciado à morte por inanição. Sua filha Pero ia todos os dias visitá-lo na prisão e, como tinha acabado de dar à luz, amamentava em segredo o pai faminto. Os guardas acabam por descobrir o truque de Pero, mas sensibilizados pelo amor filial decidem libertar o prisioneiro.

Desse relevo surgiu o nome popular de “De Mammelokker” que foi dado a este edifício. “Mamme” significa “mama” e “lokken” significa “sugar” em um dialeto antigo de Gent.

Voltando ao Belfry, há um elevador do primeiro andar, mesmo assim, o campanário não é lá muito acessível a visitantes com mobilidade reduzida. Ele é aberto à visitação diariamente das 10:00 às 18:00 e o ingresso custa 8,00 euros para adultos. Pessoas entre 19 e 25 anos ou da terceira idade possuem descontos. Abaixo de 19 anos, a entrada é gratuita. Há visitas guiadas também para quem tem interesse.

Apesar de antigo, o Belfry é bem moderninho, pois possui um aplicativo para baixar no Google Store. Para quem não possui Android, há a opção de baixar um pdf com várias explicações.

Groten Markt, o centro da cidade e do turismo de Bruges

A Groten Markt, ou Grand Place ou Grande Praça, ou simplesmente Markt, é tudo em Bruges. É o centro da cidade, o centro da vida social, o centro do turismo, o centro de tudo, enfim. Não tem como fazer uma visita a Bruges, mesmo que por um dia, e não passar umas boas horas na Groten Markt. E foi exatamente isso que fiz. Fiquei um bom tempo por lá, admirando a arquitetura, o número de turistas, o movimento, resumindo o tudo do centro de tudo.

A praça é pequena, apenas 1 hectare, mas acredite, você vai querer permanecer por lá mais tempo do que imagina. Seja para descansar da caminhada enquanto aprecia as construções, seja para tirar muuuuitas fotos, seja para conhecer de perto as construções e suas histórias.

Na Groten Market conversei com um casal de idosos americanos que estavam felizes por fazer turismo fora dos Estados Unidos e com uma senhora nativa que me falou com toda a sinceridade, que a Bélgica e, principalmente Bruges, eram uma maravilha, um local seguro e traquilo e o que estragava eram os imigrantes! Não pude deixar de perguntar a ela de quais imigrantes ela estava falando. Afinal, quando se é turista em um local você também é um estrangeiro, assim como os imigrantes. A senhora acabou me respondendo que ela se referia aos mulçumanos, pois em sua opinião, os costumes deles não condiziam com os da Bélgica. Não é de se estranhar que após algum tempo de prováveis conflitos sociais aconteceram os ataques terroristas na Bélgica.

Como dizia meu antigo professor de francês, há alguns anos atrás, o problema social dos imigrantes muçulmanos, negligenciado pelo governo (ou nas palavras deles, totalmente ignorado) ainda iria acabar explodindo de alguma forma. Na época ele se referia obviamente à França, mas sabemos como termina (ou ainda não termina) essa questão.

Mas enfim, vamos voltar à Groten Markt e todo o seu encanto.

A construção que domina a praça é o Belfry, ou o campanário. Afinal durante séculos ele foi o principal edifício de Bruges. E é impossível não ficar impressionado com sua torre de 83 metros de altura que começou a ser erguida em 1282 e foi finalizada apenas em 1482. Como a torre sofreu inúmeros incêndios em sua história, ela só foi finalizada, com menor risco de incêndio, em 1822. Pelo bom turismo em Bruges, esperamos que o campanário continue livre de incêndios.

O Belfry, na minha opinião é bonito, mas também esquisito. Explico melhor, sem dúvida sua torre chama a atenção, mas quando se compara com o resto da construção, ou seja sua parte baixa, a impressão que dá é que a construção é desproporcional, o que dá um aspecto desajeitado. De qualquer forma, talvez seja justamente isso que dá ao campanário o seu charme, e principalmente seu aspecto único rs.

Dá para subir na torre para ter uma vista da cidade, mas para isso é preciso subir 366 degraus. A torre também possui um carrilhão com 47 sinos. O ingresso custa 8,00 euros e o horário de visitação é entre 9:30 e 17:00.

Em frente ao campanário, no meio da praça, está a estátua de 1887 dois heróis locais, Pieter de Coninck, da associação de tecelões, e Jan Breydel, da associação dos açougueiros de Bruges. Esses dois heróis lideraram as forças rebeldes flamengas contra os franceses na batalha conhecida como Golden Spurs ou Batalha das Esporas Douradas.

Essa batalha é relembrada até hoje sendo o dia escolhido como feriado nacional da comunidade flamenga na Bélgica. A batalha também foi romantizada no livro The Lion of Flanders de Hendrik Conscience, um escritor belga. Infelizmente não existe versão em português, apenas em inglês. Confesso que fiquei com vontade de ler esse livro, mas ele terá que entrar na lista de livros que desejo ler e que nunca consigo fazer diminuir (lista cresce exponencialmente inversa ao tempo livre para leitura).

A estátua dos dois heróis é mais lembrada pela batalha do que pelo massacre que a antecedeu, liderado também pela dupla. O ocorrido ficou conhecido como Bruges Matins, ou a Matina de Bruges, onde os rebeldes mataram todos os de língua francesa que não conseguissem pronunciar as palavras flamengas “schild en vriend” escudo e amigo. Toda essa história ajuda a explicar também o porquê dos nativos relutarem em falar francês, que é afinal um dos idiomas oficiais do país.

Continuando, do lado esquerdo de quem está de frente ao Belfry, ou do lado leste da praça, para quem gosta de informações mais certinhas, rs, está o belíssimo prédio da Provinciaal Hof ou Corte Provincial, construído em estilo neo-gótico em duas fases (1887-1892 e 1914-1921).

Esse prédio parece ter saído daquelas miniaturas de cidades de conto de fadas, ou de cenário de presépio medieval. Sim, ele parece de brinquedo, um brinquedo em tamanho real que deixa a praça ainda mais bonita e atraente.

O prédio do lado esquerdo foi construído originalmente pra ser a residência do governador, mas nunca foi usado para isso. Hoje ele abriga vários escritórios públicos. Já do lado direito funciona o correio.

E do lado oposto da praça estão as charmosas e encantadoras casas flamengas em estilo neo-clássico. Essas casas eram as residências dos ricos comerciantes de Bruges na sua época de principal posto comercial da região

É da Groten Markt que sai o passeio de charrete pela cidade, com exceção de quarta-feira de manhã, em que a saída é na Burg devido à feira que ocorre na Markt. Devo confessar que adoro esses passeios. Adoro charrete! E, é claro, esse tipo de passeio em Bruges, vendo a paisagem medieval misturada com os canais ao som do trote do cavalo, além de relaxante, é mágico.

Nossa cocheira era super simpática, fomos conversando e ela explicando alguns pontos da cidade. O passeio dura 30 minutos. O valor é meio salgado, são 50 euros por charrete, mas se forem em mais pessoas, dá para dividir o valor. Cabem até 5 pessoas na charrete. De qualquer forma, vai muito pelo gosto. Mesmo aqui no Brasil, sempre que posso faço esses passeios. E em uma cidade medieval se torna mais especial ainda.

Caminhando por Bruges em direção à Groten Markt

Sem dúvida, a melhor maneira de descobrir Bruges é caminhando mesmo. De preferência sem pressa, admirando a arquitetura medieval combinada com os muitos canais. E foi o que eu fiz.

Cheguei de trem em Bruges vindo de Bruxelas, há duas estações com o nome de Bruges, então é bom ter atenção para não se confundir, há a estação Bruges e a estação Bruges-Saint Pierre (ou Brugge-Sint-Pieters em neerlandês). Essa última, fica mais ao norte, em Sint-Pietersstatiedreef, no bairro Saint Pierre e, embora a distância entre as duas seja menos que 5 km, não é nessa estação que queremos descer. A estação Bruges, localizada na Stationplein 5 é a que fica mais próxima do centro histórico.

Bom, quando cheguei, o primeiro lugar em que interrompi minha caminhada foi em Oud Sint Janshospitaal, que fica a 13 minutos andando da estação. O Sint Janshospitaal, ou Hospital de São João em português, foi construído aproximadamente em 1150, o que o torna um dos hospitais mais antigos da Europa ainda preservado. As demais construções ao redor são do século XIX. O hospital foi construído para dar alojamento para peregrinos, andarilhos e vendedores ambulantes. Pessoas com doenças não contagiosas também eram aceitas.

Em 1977, o hospital foi transferido para outro prédio e hoje o local abriga um museu e outros eventos e exposições.

O museu hoje conta com várias peças de arte, instrumentos médicos e pinturas de Hans Memling, um pintor alemão que viveu a maior parte da sua vida na região de Flanders na Bélgica. Daí o seu nome de Museu Memling.

O Museu Memling é um dos menores em Brugges, mas ao mesmo tempo um dos mais interessantes por ter em sua coleção 6 pinturas de Hans Memling do século 15.

Ele abre todos os dias das 9:00 as 17:00. O ingresso custa 12,00 euros para adultos. Pessoas acima de 65 anos ou abaixo de 25 anos pagam 10,00 euros, enquanto menores de 17 anos e portadores do Museum Pass tem entrada gratuita.

A região do antigo hospital é belíssima e uma das coisas que mais me encantou foi a estátua de dois monges, conhecida como Pax. A escultura do pintor e escultor nativo de Bruges Octave Rotsaert representa dois monges dando o Beijo da Paz e foi colocada no jardim do hospital em 1947 para celebrar o fim da guerra. Uma linda escultura com uma linda história e que traz uma mensagem tão sensibilizante e atual até os dias de hoje.

Bem perto do antigo hospital, está a Onze Lieve Vrouwekerk, ou a Igreja Nossa Senhora. Com sua torre de 115,5 metros de altura, a igreja do século XIII é a construção mais alta de Bruges.

A igreja possui um grande acervo de obras de arte, e a mais famosa sem dúvida, é a Madonna e criança de 1505 esculpida por ninguém menos que Michelângelo, um dos meus artistas preferidos, se não O preferido.

É a única escultura de Michelângelo a deixar a Itália. Isso não é para qualquer um! Porém, como a igreja está constantemente em restauração, algumas obras de arte não estão acessíveis para os visitantes.

A torre da Onze Lieve é tão alta, que praticamente dá para vê-la de qualquer canto do centro histórico

A entrada na igreja é gratuita, para o museu, o ingresso é 6,00 euros para adultos. Acima de 65 anos e abaixo de 25 anos é 5,00 euros. Abaixo de 17 não paga. O horário de visitação é das 9:30 as 17:00, de segunda a sábado. Domingo a igreja abre mais tarde, às 13:30.

Continuando a caminhada, cheguei até outra igreja a apenas cerca de 240 metros da Onze Lieve, a Sint Salvatorskerkhof, ou Catedral de São Salvador. Essa é igreja paroquial mais antiga de Bruges, sendo que sua construção remonta ao século X. Inicialmente não era uma catedral até 1834, quando ganhou esse título após a destruição de Saint Donatian pelos franceses.

A igreja foi destruída por um incêndio (estava faltando algum incêndio nesse post de construções medievais né?) e reconstruída nos séculos XIII e XIV em estilo neo-gótico. Seu interior é rico e encantador. E o melhor, é permitido tirar fotos! (rs).

Esta catedral conta com alguns pontos interessantes que sem dúvida, valem a pena ver. Como por exemplo o coro gótico de 1430, o púlpito ao estilo de Luís XVI, o órgão impressionante, a capela de São Jacó com os murais do fim do século XIII até 1576, as pinturas da escola flamenga dos séculos XIV a XVII e as tapeçarias do século XVIII.

A igreja abre de segunda a sexta das 10:00 às 13:00 e das 14:00 às 17:30.

Bom, depois de passar por esses lugares tão especiais, cheguei na Groten Markt, ou a Grande Praça, situada bem no centro da cidade, mas isso fica para outro post.

Bruges, o melhor trem saindo de Bruxelas (ou o melhor de Bruxelas)

O título desse post é uma piada a respeito dos muitos comentários negativos que ouvi sobre Bruxelas. Antes de me aventurar pela capital da Europa pela primeira vez, perguntei algumas dicas para conhecidos que já haviam visitado ou morado em Bruxelas.

O que mais ouvia era “Bruxelas é ótimo, você pode ir lá e pegar o trem para Bruges

“Mas… e Bruxelas, o que você tem a me dizer de lá?”

“Então, você vai para lá e pega o trem para Bruges!”

E assim continuavam as muitas dicas sobre Bruxelas. Como já escrevi nos posts anteriores, eu realmente gostei muito da capital belga e, sendo assim, o tempo não me permitiu pegar o melhor trem logo de cara. Apenas na minha segunda viagem à Bélgica que consegui incluir Bruges no meu roteiro.

E realmente, Bruges não decepciona. Essa palavra aliás nem deveria estar na mesma frase que Bruges, rs. A cidade é de fato um encanto, um charme, um conto de fadas medieval muito bem preservado. Já deu para ver que eu me apaixonei por Bruges, assim como tenho certeza que muitos, se não todos, os que tem a felicidade de conhecer essa linda cidadezinha, situada na região flamenga do país, também se apaixonaram.

É muito fácil fazer um bate e volta na cidade a partir de Bruxelas, foi o que eu fiz. Mas imagino que se hospedar por lá tenha sim o seu charme. Na verdade, só de pensar já me dá vontade de fazer isso em uma próxima vez, rs.

Saindo de Bruxelas pela estação Bruxelles-Midi, em um sábado por exemplo, há vários horários de trem que cobrem entre 6:03 a 9:00, com duração entre 0:57 e 1:04. Ah, eu adoro essa precisão nos horários de trem na Europa….

Se você clicar no site da Eurail Pass, verá as muitas opções de horários saindo também das demais estações. Mesmo da estação mais longe, a viagem não durará mais que 1 hora e 15 minutos. Para quem vai de carro, o tempo pode variar conforme as paradas, mas não será muito mais que isso, afinal são apenas 96,6 km. Bom, eu fui de trem porque curto muito as viagens de trem, além de não ter que me preocupar com estrada e, principalmente, estacionamento em cidades históricas.

E Bruges é uma cidade histórica! Como já mencionei é uma cidade medieval e teve seu centro histórico tombado como patrimônio mundial pela UNESCO, em 2000.

Além de tudo isso, Bruges ainda foi eleita a capital cultural da Europa em 2002, ao lado de Salamanca, da Espanha.

Não é à toa, que em seu livro 1000 Lugares para Conhecer Antes de Morrer, Patricia Schultz define a cidade como um lugar onde o relógio parou alguns séculos atrás.

Essa linda cidade medieval na região de Flandres tem apenas 117 mil habitantes. É conhecida como Veneza do Norte por causa dos canais que cortam a cidade. Fazendo um parênteses aqui, são tantas cidades que se intitulam como Veneza do Norte que fica até difícil saber qual a “verdadeira cópia” da inigualável Veneza.

Como Bruges fica na região flamenga, o idioma dominante lá não é o francês e sim o neerlandês ou flamengo, que é mais parecido com o holandês (possuem a mesma origem) . Essa questão do idioma parece ser bem sensível para eles. Quando cheguei na estação de trem, pedi informações a um senhor que encontrei. Perguntei a ele se poderia falar francês lá e ele me respondeu sorrindo e de maneira bem simpática que eu poderia sim falar francês com qualquer um e as pessoas me responderiam educadamente, mas que se ele falasse francês, os nativos seriam rudes com ele pelo simples fato dele ser belga, e que portanto deveria saber que naquela região o idioma oficial é o neerlandês e não o francês.

Interessante essa questão de cultura não é? Ouvi coisa semelhante na França, uma senhora me falou que eu poderia falar francês errado e que as pessoas entenderiam, mas que se ela falasse errado e trocasse os pronomes Vous (tratamento mais formal) por Tu (tratamento mais informal), isso seria visto como uma grande falta de educação. E ela me disse isso justamente para me dar a liberdade de trata-la como Tu e não Vous, embora, nessa época eu só soubesse conjugar os verbos para o pronome vous, rs.

Bom, enfim, seja para falar francês, inglês, neerlandês ou até mesmo o portunhol amigo; seja para fazer bate e volta ou para curtir mais alguns dias; seja para apreciar arte e história ou para andar em seus canais; seja para ser o único motivo para ir à Bruxelas ou mais um motivo, não importa, Bruges sempre será uma ótima opção, uma linda cidade que com certeza agradará a todos os gostos.

Para saber mais:

Visit Bruges

Discover Bruges

Visit Flanders

Canalmuseums – Os museus dos canais de Amsterdam

Canalmuseums são formados por 8 belas casas localizadas nos canais de Amsterdam. São construções que datam desde o século XVII, retratando toda a opulência dessa época na Holanda. Visitar esses museus é voltar no tempo, apreciar como eram o interior das casas e experimentar como era a vida de famílias ricas e importantes de Amsterdam. Eles formam um magnífico conjunto de acervos variados com o belo interior das casas.

Os oito museus que formam os Canalmuseums são Amstelkring – Our Lord in the Attic, Willet-Holthuysen, Het Rembrandthuis,Van Loon, Huis Marseille (Museu de Fotografia), Bijbels (Museu Bíblico), Het Grachtenhuis (Museu dos Canais) e Tassen (Museu de Malas e Bolsas).

www.grachtenmusea.nl
Mapa dos museus dos canais. 1 – Amstelkring, 2 – Casa de Rembrandt, 3 – Museu Willet-Holthuysen, 4 – Museu Van Loon, 5 – Huis Marseille, 6 – Museu Bíblico, 7 – Museu dos Canais, 8 – Museu de Malas e Bolsas.

Desses eu fui nos dois primeiros, Amstelkring – Our Lord in the Attic e Willet-Holthuysen. Fui também no Het Rembrandthius, a casa de Rembrandt, na verdade, esse foi o primeiro local que visitei em Amsterdam, mas infelizmente estava fechado para reformas e não foi possível entrar.

Quanto aos que eu não visitei, vou colocar aqui uma breve descrição para caso alguém se interessar em conhecê-los. São tantos os museus existentes em Amsterdam que é praticamente impossível visitar a todos, por mais que eu adore passar as tardes dentro de um museu, foi preciso selecionar alguns devido ao tempo e, claro, ao orçamento também.

Amstelkring – Our Lord in the Attic e Willet-Holthuysen serão descritos em posts separados.

A Casa de Rembrandt, Het Rembrandthuis

Como o nome já diz, é a casa onde Rembrandt viveu. Durante quase 20 anos ele morou e trabalhou nessa casa localizada na rua Jodenbreestraat. Rembrandt Harmenszoon van Rijn viveu entre 1606 e 1669 e é o artista mais famoso da Holanda e um dos mais importantes da Europa. Não é para menos, suas pinturas e gravuras da época barroca são belíssimas, daí meu desapontamento quando não foi possível visitar seu museu.

O interior da casa conta com a mobília original e objetos pessoais, incluindo uma coleção de itens raros e exóticos. O museu também possui uma coleção quase completa das gravuras de Rembrandt. Demonstrações de técnica de gravura desse grande artista são realizadas diariamente.

O museu é aberto ao público de segunda à domingo entre 10:00 e 18:00. O valor do ingresso é €12,50, um dos mais caros dessa lista. A entrada é gratuita para quem tiver o I Amsterdam City Card ou Museumkaart (apenas para residentes).

Rembrandthuis

Rembrandthuis

Museu Van Loon

Casa da família regente Van Loon. Willem van Loon foi co-fundador da Companhia das Índias Orientais Holandesa em 1602.

A casa, construída em 1672, ainda mantém sua originalidade e os visitantes podem apreciar as salas ricamente decoradas no primeiro andar, bem como os quartos e cozinha, que relembram a época dourada de Amsterdam. A coleção inclui pinturas, mobiliário, prataria e porcelanas.

A família abre a casa e sua coleção para o público desde 1973 por 6 dias durante a semana. O horário para visitas é das 11:00 as 17:00 de quarta a segunda-feira. O ticket de entrada custa € 9,00. Entrada livre para os portadores do I Amsterdam City Card, Museumkaart, Stadspas (também apenas para residentes com risco de isolamento social ou cultural) ou ICOM.

Este é um dos museus que com certeza visitarei em uma nova viagem à Amsterdam, juntamente com a casa de Rembrandt, claro.

Museum Van Loon

Van Loon

Van Loon

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Museu de fotografia Huis Marseille

O museu fica localizado em uma casa do século XVII que pertencia a um comerciante francês, Isaac Focquier, daí o porquê do prédio possuir em sua fachada uma pedra com desenho que remete ao porto de Marselha e da razão da casa ser conhecida como Marseille. Seu interior ainda está intacto, mantendo a sua originalidade por 300 anos.

Desde 1999, a casa passou a ser sede do museu de fotografia conhecido também como Huis Marseille. O museu conta com uma coleção permanente de fotografias contemporâneas e a cada três meses, oferece um novo programa de exposições.

É aberto ao público de terça a domingo entre 11:00 e 17:00. O ingresso custa €8,00, Entrada livre com o I Amsterdam City card, Museumkaart ou ICOM.

http://www.huismarseille.nl

www.huismarseille.nl

http://www.huismarseille.nl

Bijbels – Museu Bíblico

A casa onde se encontra esse museu foi construída em 1662 em estilo clássico holandês. Há duas cozinhas originais do século XVII e dois quartos com pinturas de Jacob de Wit, um pintor da escola rococó, no teto. O jardim atrás da casa possui plantas citadas na Bíblia e uma pequena lagoa.

As coleções desse museu incluem modelos de templos construídos com precisão baseados em sítios arquológicos e relatos bíblicos na tentativa de reconstruir o templo de Salomão e Herodes. Até mesmo os materiais usados são baseados nas descrições da Bíblia. Além disso, também há artefatos, estelas, objetos funerários e até mesmo um múmia egípcia encontrados no século XIX. Outros objetos arqueológicos relacionados à confecção de Bíblias e mesmo uma coleção completa do livro sagrado, incluindo a Bíblia mais antiga impressa na Holanda, em 1477 completam o acervo do museu.

É aberto para visitação de terça à domingo entre 11:00 e 17:00. O valor do ingresso é €8,00. A entrada é gratuita para quem tiver todos os cartões já citados. Os cartões Rembrandtpas e Holland Pass Voucher também propiciam entrada livre.

www.bijbelsmuseum.nl

Bijbelsmuseum

Bijbelsmuseum

Het Grachtenhuis – Museu dos Canais

O museu mostra a história de Amsterdam formada por seus canais e suas casas. São 400 anos de história retratada de forma a mostrar a importância dos canais para Amsterdam desde sua criação até os dias de hoje. O projeto de criação do anel de canais de amsterdam lhe valeu o reconhecimento como patrimônio mundial, concedido pela UNESCO em 2010.

Horário de funcionamento de terça à domingo das 10:00 as 17:00. O ingresso é um dos mais caros dessa lista, €8,00, e gratuito para os cartões já citados: I Amsterdam City card, Stadspas ou ICOM. É possível comprar online.

Embora seja interessante, não é um dos que mais me atraem. Provavelmente seria o último dessa lista que eu visitaria.

www.hetgrachtenhuis.nl

www.hetgrachtenhuis.nl

Tassen – Museu de Malas e Bolsas

Localizado obviamente em uma autêntica casa de canal, construída em 1664, esse museu ganhou o título de um dos 10 melhores museus de moda do mundo. São mais de 5000 peças mostrando a história da moda e arte. É uma quantidade de bolsas para deixar qualquer mulher maluca.

Na verdade, o museu conta a história ocidental das bolsas por um período de 500 anos, desde o final da idade média até os dias de hoje, incluindo peças contemporâneas.

A casa, assim como as demais que formam os museus dos canais, também possui história. Seu dono, Pieter de Graeff, filho do então prefeito de Amsterdam, mandou pintar o teto dos quartos com uma impressão dos continentes. Hoje em dia, essas salas são usadas para a realização de almoços, festas, casamentos ou outros eventos.

O museu abre diariamente das 10:00 as 17:00. O valor do ingresso, assim como a Casa de Rembrandt, ficou entre os mais caros da lista, €12,50. Os cartões já citados permitem entrada gratuita, ou desconto de 20% no caso do Holland Pass.

tassenmuseum.nl

tassenmuseum.nl

 

tassenmuseum.nl

Marrakech – O que torna a praça Djemaa el Fna tão especial

O que faz a praça Djemaa el Fna (ou Jemaa el Fna) ser tão famosa? Afinal é impossível falar em Marrakech sem mencionar a Djemaa el Fna. Situada dentro da medina, a praça é o símbolo e o coração pulsante da cidade e talvez até mesmo do país.

Durante o dia, apenas um lugar calmo e vazio em Marrakech

Djemaa el Fna quer dizer algo parecido com Assembléia dos Mortos. O nome é devido ao fato de que antigamente era o local para execução de criminosos, porém não há muita certeza histórica sobre a veracidade da analogia.

Durante o dia o local é apenas um espaço aberto por onde circulam pessoas a pé ou em motos e bicicletas. Há também algumas barracas vendendo especiarias, frutas secas e suco de laranja. Porém, mesmo que à primeira vista pareça um local sem atrativos que não faz jus à sua fama, ainda assim é interessante conhecer a praça. Isso porque durante o dia já é possível encontrar encantadores de cobras e outros artistas. Por ter menos movimento nesse horário, fica mais fácil de tirar as tão esperadas fotos dos encantadores e suas cobras.

O encantador e sua flauta tocando sem parar

É um espetáculo único ver o encantador sentado calmamente no chão tocando sua flauta em uma música contínua, sinuosa, hipnótica. Ao seu lado ficam outros homens com pandeiros e outros instrumentos.

No site da Wikipédia há uma explicação sobre o encantamento das serpentes. Na verdade as cobras, incluindo a Naja, a mais comum nesse tipo de apresentação, são surdas aos sons emanados pela flauta, mas conseguem sentir as vibrações do solo. O que seduz a cobra de fato é o movimento da flauta e não sua música. Os encantadores de cobra também podem passar urina de rato na flauta, o que faz com que a cobra procure sua presa natural.

Música contínua, sinuosa e hipnótica

Como é de se esperar, para tirar as fotos é preciso pagar aos encantadores, ou qualquer outro artista que estiver no local. A melhor forma para não se esquentar com isso é combinar o preço antes assim como o número de fotos que deseja tirar. Os performistas podem ficar um pouco agressivos se acharem que não estão pagando o devido valor às fotos. Então o melhor a fazer é combinar o preço e tirar suas fotos sem se deixar apressar por eles. Em geral, pode-se pagar entre 10 a 20 dihans (11 dihans = 1 euro). É lógico que quanto mais fotos, mais dihans devem ser combinados. Como em qualquer negociação no Marrocos, aqui vale a pena pechinchar também.

Os performistas são insistentes para que se tirem fotos e alguns chegam a colocar a cobra no pescoço dos turistas. Então, quem não quiser ter uma cobra enrolada no pescoço na hora da foto é bom deixar bem claro. No meu caso acabei tirando várias fotos com uma cobra aparentemente mansa enrolada em mim, mas devo confessar que sentir aquela pele fria não é lá muito agradável.

Cobras e mais cobras aparentemente hipnotizadas

Também há adestradores de macacos, mas esses me desagradam profundamente, pois acho que o macaco deveria estar solto na floresta e não acorrentado em exposição para atrair a atenção dos turistas. Assim como fazem com as cobras, os adestradores também colocam os macacos nos ombros dos turistas que param para olhar ou mesmo que apenas passam perto de um deles.

Mesmo no caso das cobras é de se pensar que esse espetáculo, por mais exótico e histórico que seja, não deixa de ser exploração dos animais. No final das contas, não dá para ter certeza  se as cobras e macacos não estão expostos a maus tratos. Além disso, por estar fora de seu habitat natural, esses animais podem ter seu tempo de vida reduzido.

A multidão toma conta da Djemaa el Fna após o pôr do sol

Bom, se a praça é calma e vazia durante o dia, ao entardecer ela se transforma totalmente. À noite a Djemma el Fna  torna-se palco de um cenário deslumbrante formado por performistas, acrobatas, contadores de histórias, tatuadores de henna, encantadores de serpente, músicos, adivinhos, inúmeras barracas vendendo comida, vendedores de incensos e ainda mais.

Apesar de turística, a Djemaa el Fna é dos marroquinos e para os marroquinos, independente da classe social, se é homem ou mulher, se é árabe ou bérbere. Ali todos se juntam, todos se divertem e todos formam uma cultura única e rica. Por todo esse jeito excêntrico e curioso de ser, a Djemaa el Fna entrou para a lista de Patrimônio Imaterial e Oral da UNESCO. A praça também ganhou seu espaço no livro 1000 Lugares para Conhecer Antes de Morrer de Patricia Schultz.

Mesas das inúmeras barracas de comida, restaurantes ao ar livre

É difícil explicar ou mesmo descrever a Djemaa el Fna. Palavras parecem não ser adequadas para expressar o que se vê no local, é preciso estar lá para sentir a vida pulsante, a transformação mágica que ocorre após o sol se pôr. Pessoas de todos os tipos, jeitos e pensamentos se misturam e se aglomeram, ficam paradas em volta dos contadores de histórias que gritam e se agitam em uma encenação sem fim, sentam para jantar nas mesas dispostas na frentes das incontáveis barracas que funcionam como restaurante onde os homens trabalham como cozinheiros, atendentes e garçons no meio de couscous, tajines ou cabeças de carneiros, ou simplesmente transitam entre os grupos formados.

A agitada multidão funciona como um antônimo para o nome, a Praça dos Mortos é cheia de vida.

Tajine, um dos pratos mais tradicionais do Marrocos, sendo preparado

É uma experiência tão única, rica e encantadora estar na praça que simplesmente não dá vontade de ir embora. Ali podemos nos perder, seja no meio da multidão, na mistura de performistas ou nos aromas vindo das barracas de comida ou dos vendedores de incenso. Para complementar, basta levantar os olhos e teremos uma bela visão do minarete da mesquita Koutoubia, que parece observar de longe toda aquela confluência de pessoas.

Para quem preferir não se aventurar no meio da multidão, dá para apreciar a agitação dos terraços dos muitos restaurantes existentes em volta da praça, comendo um tajine ou tomando um delicioso e tradicional chá de menta açucarado. Os passeio de charrete (ou caléche) também saem próximos da praça, tanto durante o dia, quanto à noite.

Uma das muitas barracas de comidas dispostas em longas fileiras

Alguns turistas podem ficar apreensivos de permanecerem na praça à noite, eu mesma vi alguns cuja curiosidade parecia brigar com o sentimento de insegurança. Como qualquer lugar turístico com muita aglomeração de pessoas, é bom tomar alguns cuidados e ficar atento. Não há assalto, mas podem existir alguns trombadinhas. Porém, nada que atrapalhe a diversão. A Djemaa el Fna é o coração e a alma de Marrakech, um lugar inesquecível que, com certeza absoluta, merece ser visitada e experimentada em tudo que ela oferece.

Uma mistura de aromas vindo das barracas permeia todos os cantos da Djemaa el Fna

 

O que há para ver na medina de Fès

Em Fès el-Bali (cidade antiga) é onde estão a maioria dos pontos turísticos de Fès. Só para se ter uma idéia, são 10.572 construções de interesse histórico, incluindo 185 mesquitas, numerosas medersas (universidades corânicas), vários palácios, o interessante curtume, além de restaurantes típicos e souks para comércio de tapetes, couro, especiarias, metais, etc.

Por tudo isso, Fès el-Bali entrou em 1981 na lista de patrimônios protegidos pela UNESCO, que atualmente promove a restauração de várias contruções e também da muralha ao redor da medina. Bom, simplesmente estar na medina já vale a pena, pelo fato de ser o lugar onde se vê o cotidiano puro do marroquino, sem a interferência da colonização européia, mas visitar os pontos turísticos existentes ali dentro é melhor ainda. Com certeza, estando em Fès, a medina medieval é o lugar onde se deseja passar a maior parte do tempo.

Nosso dia de exploração da medina começou passando pelo portão Bab Ftouh, um dos principais portões de acesso. Seu nome é devido ao príncipe Zenet, conhecido como Ftouh, que restaurou o portão até então chamado Bab Al-Qibla, dando seu nome a ele. Mesmo sendo famoso, ele não é um dos mais bonitos, na minha opinião. Seu desenho é robusto, quadrado e com linhas retas. No entanto, apesar da sua aparente simplicidade, não resta dúvida de que o portão seja realmente imponente devido ao tamanho e força de seu desenho.

O Bab Ftouh é um dos 4 principais portões de acesso para Fès el-Bali, juntamente com os portões Bab Boujeloud, Bab er R’cif e Bab Guissa. Esses portões servem como referência para caso alguém se perca no labirinto formado pelas ruelas da medina. Por trás desses portões há muito mais do que podemos imaginar ou esperar. Há um lugar onde a modernidade, máquinas, tecnologia e outros aspectos da vida moderna ainda não dominaram o cenário.

Linhas simples porém fortes do Bab Ftouh, um dos principais portões de acesso para a medina

Porém, não foi pelo Bab Ftouh que entramos na medina na nossa visita durante o dia, e sim pelo Bab er R’cif, um portão mais centralizado e melhor localizado. O Bab er R’cif possui um desenho mais trabalhado, sendo formado por um arco maior central ladeado por dois arcos menores. Em frente, há uma praça com várias pessoas transitando, assim como muitos ônibus de turismo, já anunciando a grande movimentação dentro da medina.

No local há vários guias oferencendo seus serviços. É mais seguro escolher os guias oficiais para acompanhar na visita à medina. No entanto, se optar por escolher um guia, é melhor deixar bem claro para ele se deseja ou não fazer compras, caso contrário ele levará somente para conhecer as lojas para turistas.

Bab er R’cif visto do terraço de uma loja de tapetes

O primeiro lugar que visitamos, após muito andarmos pelas ruas cheios de curiosidade, foi a Place Seffarine, um lugar aberto, em contraste com as ruelas onde pessoas e animais se espremem para conseguirem se locomover. Essa é a região do Souk das lojas de objetos de cobre e prata. Esclarecendo melhor, todo o comécio na medina está divido em souks de acordo com o tipo de artesanato ou produto vendido, então existem os souks para compras de tapetes, couro, henna, especiarias, etc.

Nesta praça se concentram os responsáveis por uma das profissões mais antiga de Fès, os artesãos que fabricam vasos, bandejas, candelabros, lustres, caldeirões e outros utensílios de ferro, cobre e prata.  São objetos que enchem a vista, sendo muito procurados para casamentos e festivais pelos nativos, além dos turistas ávidos por compras, obviamente.

Objetos de cobre, prata e ferro fabricados e vendidos na Place Seffarine

A Place Seffarine é a principal porta de entrada para a Biblioteca Kairaouine, que abriga mais de 32.000 manuscritos, incluindo textos sobre islamismo, matemática e ciência.

Escadaria da Biblioteca Kairaouine, que faz parte da universidade mais antiga do mundo árabe

A biblioteca faz parte do complexo formado pela universidade mesquita construída em 857 e tida como a mais antiga do mundo árabe. A fundação da universidade marca o início da Idade de Ouro de Fès.

A partir dessa época, houve um aumento das construções de mesquitas e foundouks na cidade, além de residências de luxo (algumas transformadas em belas lojas hoje em dia) e medersas (universidades).

Com isso, Fès acabou por se tornar a capital de um vasto império com comerciantes, artistas, estudiosos e estudantes de todo o mundo árabe reunindo-se em seus portões. Sua influência cultural e espiritual foi tamanha que a cidade chegou a ser referida como a “Atenas de África”.

Durante muitos séculos, a universidade Kairaouine foi a única fonte de estudo do Marrocos, daí a fama intelectual que permeia até hoje a cidade de Fès, motivo de orgulho para seus habitantes.

Não muçulmanos podem entrar e tirar foto na bela escadaria azul, mas não podem passar desse ponto.

A mesquita Kairaouine foi fundada pela filha do sultão Fatima el Fihria. Seu nome se origina da cidade de Kairouan, na Tunísia, cujos imigrantes costumavam viver nas proximidades. Ela faz parte de um dos importantes locais para ensino do islamismo e é considerada pelos marroquinos como o santuário dos santuários para oração e meditação.

 

Minarete da mesquita Kairaouine visto do terraço de uma loja de tapetes

É a única construção almorávida ainda em uso. Mais tarde, as dinastias almoáda, merenida, saadiana e alaoíta deixaram suas características no prédio. Sua forma atual foi conseguida no ano de 1135 pelo sultão almorávida Ali ibn-Yusuf. No início o local era pequeno, porém, posteriormente recebeu várias restaurações. Uma delas feita por artistas andaluzes que realçaram a arte moura-hispano, com portas e arcos feitos com cedro. A mesquita agora se extende por uma grande área dentro da medina e possui 14 entradas, com capacidade para até 20.000 pessoas.

Como é de esperar, é proibida a entrada de não mulçumanos, mas, se as portas estiverem abertas, podemos apreciar uma parte de seu interior do lado de fora das portas de cedro. Dessa forma dá para ter uma idéia do tamanho que a mesquita ocupa. Até a construção da mesquita Hassan II em Casablanca, a Kairaouine era a maior mesquita do Marrocos. O desenho interior da mesquita é similar à existente em Córdoba, com um pátio aberto e uma grande fonte no centro.

Interior da mesquita Kairaouine

Porta e arco trabalhados no interior da mesquita

 

 

Saindo da Place Seffarine, fomos caminhando até chegar no Fondouk Tetouani. Fondouks eram centros mercantis utilizados como casas de comércio, hotéis e armazéns. No geral, eles estão localizados ao longo das principais vias da Medina (Talaa el Kibira, Talaa Sghira, Ras Cherratine e Nejjarine) e próximos aos portões principais.

O Fondouk Tetouani foi fundado no século 14 por comerciantes vindos da cidade bérbere Tétouan, localizada no nordeste do Marrocos, daí seu nome. Originalmente o local servia como hotel para os comerciantes em viagem. Hoje em dia, a construção merenida é um lugar para vendas de tapetes. Pode-se entrar no fondouk sem a obrigação de comprar algum tapete, pois há um pátio central próprio para visitação.

Tapetes expostos nas sacadas do Fondouk Tetouani

Detalhe da fechadura da porta de entrada para o Fondouk Tetouani

Saindo do Foundouk Tetouani, vimos outra mesquita conhecida como Sidi Ahmed Tijani. Essa mesquita é dedicada aos peregrinos vindos do oeste africano em direção à Meca, a cidade sagrada para o Islamismo. A mesquita do século 18 contém a tumba de Sufi Shaykh, fundador da ordem Tijani.

A mesquita é facilmente reconhecida pelo belo minarete decorado com azulejos verdes e a porta no canto com desenhos pintados em tons vermelhos. Assim como as demais mesquitas da medina, a entrada é proibida para não muçulmanos.

Entrada para a mesquita Sidi Ahmed Tijani

Minarete decorado com grande quantidade de azulejos verdes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Seguindo nossa visita à medina, chegamos em um dos lugares mais sagrados para os habitantes de Fès, a Zaouia Moulay Idriss II, localizada no coração da medina. Zaouia é uma mesquita construída ao redor da tumba de um santo do Islamismo, chamado de marabout. Nesse caso, a zaouia abriga o túmulo de Moulay Idriss II, fundador da cidade de Fès. Foi originalmente construída no século 6 em honra ao fundador da cidade e mais tarde restaurada pelos merenidas no século 13.

Barra de madeira indicando o limite para a passagem de não muçulmanos.

Ao lado das mesquitas Kairaouine e Koutoubia (em Marrakech), a zaouia Moulay Idriss II é uma das mais importantes mesquitas construídas. A zaouia possui uma grande barra de madeira entalhada que sinalizava o lugar onde cristãos e judeus não podiam mais passar. Os muçulmanos que passavam desse ponto podiam pedir asilo, caso estivessem fugindo da polícia, pois era proibido fazer qualquer prisão na área considerada sagrada.

Pátio interno da Zaouia Moulay Idriss II visto do lado de fora

Como o esperado, é proibida a entrada de não muçulmanos, mas é possível observar seu interior do lado de fora e os belos trabalhos em zellij (azulejos) que existem no local. Também é possível avistar o túmulo de Moulay Idriss II.

A zaouia é local de constante peregrinação, especialmente por mulheres devotas de Moulay Idriss II, que vão em busca de baraka ou boa sorte e fertilidade. Em uma das paredes da zaouia existe uma abertura própria para inserir cartas com os pedidos ou envelopes de doações.

Detalhe do belíssimo interior da Zaouia onde está o túmulo de Moulay Idriss II, fundador de Fès.

Depois da Zaouia, fomos almoçar, visitar algumas lojas e saímos da medina. No tempo em que ficamos fora, aproveitamos para visitar o Palais Royal ou Dar El-Makhzen (Palácio Real), localizado na Place des Alaouites, em Fès El Djedid (Ville Nouvelle). Este magnifico palácio, construído no século XIII pelos merenidas, possui imponentes portas de bronze e ocupa uma área de nada menos que 80 hectares. O Palácio tem a reputação, notadamente merecida, de estar entre as construções mais elegantes do Marrocos.

Fachada do Palácio Real na Ville Nouvele em Fès

Infelizmente, o palácio não é aberto à visitação, mas a simples visão da sua fachada já compensa. Dá para imaginar como é seu interior.

Enquanto estávamos na frente do palácio, um fotógrafo apareceu para tirar fotos dos turistas. No dia seguinte, ele estava vendendo as fotos na porta do nosso hotel. Isso acaba sendo algo bem comum no Marrocos. No entanto, deve-se tomar cuidado quando for tirar fotos que apareçam outras pessoas, pois eles tem o costume de pedir dinheiro quando percebem que saíram em alguma foto de turista. Além disso, também é considerado ofensivo tirar fotos das mulheres, especialmente daquelas usando a burca.

Detalhe dos mosaicos ao redor da porta de bronze

Perto do Palácio Real, ainda em Fès El Djedid fica o bairro judeu Mellah, fundando pelo sultão no final do século XVI para a comunidade judaica que habitava em Fès. Seu nome deriva da palavra árabe melh, que quer dizer sal.

O bairro difere dos outros locais em Fès pela arquitetura de suas casas. As moradias árabes possuem como característica principal o átrio ou jardim no meio da casa cercado pelos quartos, que são distribuídos ao redor do átrio. Com isso, a fachada das casas é, em geral, bem simples, ao contrário do seu interior. Já as casas judias possuem janelas, sacadas e decorações voltadas para o exterior, parecidas com as nossas mesmo.

Uma das ruas do bairro Mellah, com as casas judias acima das lojas do comércio.

Retornamos para a medina à noite, entrando dessa vez pelo portão de acesso mais famoso e mais bonito, o Bab Boujloud, um monumental portão decorado com zellijs azuis, localizados na face externa do portão, representando a cor de Fès,  e verdes, no lado interno do portão, representando a cor do alcorão. Apesar da aparência supostamente antiga, esse é o portão mais novo da medina, construído em 1913 pelos franceses durante o protetorado.

As construções ao redor do portão também são recentes, há vários restaurantes e cafés no local. Alguns deles com belos terraços para uma melhor visão da medina e suas construções.

Portão Bab Boujeloud com a Medersa Bou Inania ao fundo

Do Bab Boujeloud já se avista a Medersa Bou Inania, construída no século XIII pelo sultão merenida Abu Inane, do qual deriva seu nome. Medersas são escolas teológicas, onde se ensina o Alcorão. A Medersa Bou Inania é a maior e mais conhecida medersa merenida em Fès. Ela funciona como escola e local de oração. A construção é impecável, sua porta é de bronze e os degraus decorados com ônix e mármore, enquanto o minarete é decorado com mosaicos de madeira de cedro.

Próximo à medersa está o relógio de água feito de madeira entalhada em um friso. Reza a lenda que foi construído por um mago. Independente de ter sido ou não, é difícil imaginar como o relógio funciona. Abaixo dele tem um restaurante chamado Café Clock.

Relógio de água feito de madeira inscrustada na parede. Só mesmo o mago que o criou para saber como funciona…

Terminamos o dia andando pelas ruas da medina, vivenciando toda a movimentação da multidão às vésperas do importante feriado religioso chamado Sacrifício de Abraão, com toda agitação no comércio e bancas que vendiam especiarias, perfumes caseiros, especiarias, coentro, menta (expostos no chão) e até mesmo dentaduras, que são experimentadas pelos clientes antes de compra-las (arghhhh!).

Saímos da medina próximo ao portão Bab Chorfa, conhecido como o portão dos nobres e  construído em 1069.

Bab Chorfa, o portão dos nobres, visto à noite

Com certeza ainda há muito mais a ser visto, mas infelizmente tínhamos apenas um dia para visitar a medina. O tempo é curto para apreciar toda a riqueza cultural e arquitetônica de Fès el-Bali.

Após nossa bela visita à medina, retornamos ao nosso hotel para um delicioso jantar de tajine de carneiro e carne de caça com música ao vivo e uma muito esperada apresentação de dança do ventre, partes da cultura marroquina que serão melhores descritas em um próximo post.

Inshalá, vamos entrar na medina de Fès

Entrar na medina de Fès foi para mim um dos momentos mais esperados da viagem ao Marrocos. Depois de tanto ler sobre o local, em casa antes de viajar e durante o vôo para Madri, não tem como a curiosidade e a imaginação não aumentarem e criarem várias versões sobre como seria estar dentro da mais antiga medina do mundo árabe.

São tantos casos contados pelos turistas e guias e tantos anos de história dentro daqueles muros que ficamos extasiados só de atravessar os portões e sentir de perto o que é a vida dentro dos muros da medina.

Porém, antes de atravessar os portões e vivenciar o cotidiano mais puramente marroquino, nós subimos até o museu Borj Nord para termos uma magnífica vista da medina. O Borj Nord abriga o museu de armamento com uma coleção notável das armas feitas ou usadas no Marrocos.

Exterior do Borj Nord, o museu de armas fabricadas ou usadas no Marrocos

O Borj Nord era inicialmente um forte construído no século XVI, fazendo parte das muralhas de proteção da cidade, que posteriormente foi transformado no museu de armas, seguindo a tradição militar do local. São mais de 5000 peças em exibição divididas em 13 salas, incluindo armas do período pré-histórico até rifles modernos. A coleção é formada principalmente por doações da família real. Além do acervo marroquino há peças de origens européia, indiana e asiática.

Na verdade, esse não é o tipo de museu que gosto de visitar, mas, com certeza, a subida até o Borj Nord compensa pela vista que se tem da medina e dos seus arredores.

Medina de Fès vista do Borj Nord

Olhando dali de cima, a medina parece um local calmo e tranquilo, nem de longe deixando transparecer a agitação e barulho causados pela multidão que habita, transita, estuda, reza e trabalha por trás dos muros.

Estando ali, no alto do Borj Nord, admirando a bela paisagem formada pela medina com as montanhas ao fundo, naquela paz e quietude, a ansiedade para descer e atravessar os muros da cidade antiga aumentava cada vez mais.

Uma visão mais próxima da medina mostrando o amontoado de habitações, comércios e mesquitas

De lá de cima, também é possível avistar as ruínas das Tumbas Merenidas, rodeadas por uma belíssíma paisagem formada pela vegetação e pelas montanhas ao fundo. O local onde se encontram as tumbas, conhecido como Al Qolla, foi escolhido no século XIV para servir de necrópole real.

Lá foram enterrados vários sultões de linhagem real, porém hoje em dia o local encontra-se em ruínas. De fato, a paisagem em volta chama mais atenção dos que as tumbas somente.

Ruínas das Tumbas Merenidas vistas do Borj Nord

Após descer do Borj Nord, ainda passamos pelas muralhas do Kasbah Cherarda, um forte construído em 1670 pelo sultão Moulay Rashid com o objetivo de manter afastados as tribos bérberes do deserto. São no total 15 km de impressionantes muralhas que protegiam o suprimento de grãos dos ataques inimigos.

Os bérberes são na verdade os primeiros povos a habitarem no Marrocos, sendo que os árabes invadiram depois o local. Existe uma grande diferença cultural entre bérberes e árabes, incluindo idioma, crenças e hábitos, o que leva a uma certa rivalidade entre os dois povos até os dias de hoje.

Trecho das muralhas do Kasbah Cherarda. Os furos nas paredes são devido ao processo de restauração conduzido pela UNESCO

A medida em que nos aproximávamos da medina, maior era o número de pessoas na rua. Quando passamos de frente ao portão Bab Ftouh, um dos principais portões de entrada, vimos uma multidão de pessoas se espremendo por detrás dos muros. A mesma cena se repetiu quando passamos próximo ao Bab Boujeloud, outro imponente portão principal.

Isso era em parte justificável pois era véspera de um importante feriado religioso conhecido como O Sacrifício de Abraão. Por causa disso, todos os marroquinos estavam se preparando para a festa religiosa a ser celebrada no dia seguinte por todo o país.  O feriado e a sua comemoração serão em breve descritos em outro post, devido ao caráter forte da data e o tipo de comemoração, principalmente aos olhos de turistas ocidentais como nós.

Multidão de pessoas vista pelo lado de fora do Bab Boujeloud, uma das entradas principais para a medina

Nosso simpático guia explicando sobre as casas existentes dentro da medina

É importante saber que é totalmente necessária a presença de um guia para acompanhar a visita. Mesmo para mochileiros de plantão e viajantes de carteirinha experientes, é um risco desnecessário se aventurar pelas ruelas da medina sem a compania de um guia.

São 9400 ruelas espremidas dentro de 15 km de muralhas. A chance de alguém se perder lá dentro é bem grande.

E isso inclui até mesmo os próprios marroquinos, pois eu vi no noticiário da TV local, à noite, uma reportagem sobre pessoas desaparecidas que foram vistas pela última vez na medina.

Outra vantagem de se ter um guia é que ele pode explicar melhor tudo o que é visto na medina, suas contruções, seu comércio, suas mesquitas. São informações que enriquecem o passeio e nos dão um prazer maior por estar conhecendo um mundo tão diferente do nosso.

Nosso guia era muito simpático e bem humorado. Antes de entrarmos,  ele deixou bem claro o risco de se perder lá dentro, quando disse alegremente:

Inshalá, vamos entrar na medida e Inshalá sairemos de lá.

Inshalá é uma expressão árabe usada à exaustão pelos marroquinos e quer dizer “Se Deus quiser”. Bom, depois de ouvir isso, nossa vontade em conhecer as ruelas da medina aumentou ainda mais.

Quando atravessamos o portão para entrar na medina foi como se tivéssemos sido transportados para outro século. É como voltar no tempo ou estar em um filme como aqueles que passavam antigamente na Sessão da Tarde. É outro mundo, outra realidade, outra cultura. As palavras parecem poucas para descrever toda a sensação que temos por estar lá, é preciso vivenciar para melhor compreender.

Estando espremida no meio da multidão, o primeiro pensamento que vem à tona é “Socorro, me tirem daqui”. O segundo pensamento ” Espere um pouco, parece interessante” e o terceiro e definitivo é ” Oba, me deixem aqui, isso é realmente divertido”.

A medina é formada por uma confusão de pessoas e bichos se movimentando, rezando, fazendo comércio, enfim vivendo o dia a dia marroquino. Ali nossos sentidos ficam aguçados, visão, tato, olfato e audição são bombardeados com imagens, cheiros, sons, objetos que combinam e diferem ao mesmo tempo, formando uma estranha, porém instigante sinfonia.

Pessoas se espremendo nas ruelas da medina

Medina em árabe significa cidade antiga. É o centro urbano em que se vivia, e que ainda se vive, em muitas das cidades árabes. Na medina de Fès (Fés el Bali) vivem cerca de 500 mil pessoas que habitam e transitam por suas ruas.

O comércio é formado pelo que poderíamos chamar de quiosques ou bancas, um do lado do outro, onde são vendidos cereais, carnes, utensílios domésticos, roupas e quaquer outra coisa que se queira comprar, tudo misturado. Algumas lojas são maiores formadas por casas espaçosas. São as lojas mais especializadas que vendem tapetes, roupas e especiarias.

Loja de azeitonas em uma das ruas da medina. As azeitonas são altamente apreciadas pelos marroquinos, sendo servidas inclusive no café da manhã

Quanto ao comércio de alimentos, laticínios, carnes e peixes, podemos dizer que eles desconhecem qualquer conceito de vigilância sanitária. Não há refrigeração e tudo fica muito exposto. Vimos até mesmo maços de coentro distribuidos em tapetes no chão, próximos aos pés das pessoas e mulas. Isso me faz pensar quão bom deve ser o sistema imunológico dos marroquinos.

Nos açougues é vendido de tudo, desde carnes de carneiros até de camelos. Todas as partes são apreciadas, inclusive as cabeças. Algumas placas anunciam em específico o preço das cabeças. Essas carnes também são vendidas sem refrigeração ou qualquer outra medida de higiene e ficam expostas próximas à passagem de pessoas, mulas e o que mais estiver transitando no local.

Cabeça de camelo sendo vendida em um açougue. Qualquer tipo de carne serve como fonte de alimento

Na medina não é possível entrar carros, então o transporte é feito com mulas que são conhecidas como os taxis da medina. Quando se escuta alguém falando “Balak Balak” é porque está passando com uma mula e por isso pede licença. Nesse caso é bom se espremer contra uma das paredes ou bancas para deixa-los passar, pois como dizia nosso guia, esse é um tipo de taxi que pode morder.

Taxis da medina

Escutamos muitos” Balak Balak” e era sempre uma diversão pois todos do grupo começavam a gritar Balak Balak também, juntamente com o dono da mula, porém obviamente os marroquinos eram bem mais discretos com o Balak do que nós viajantes admirados.

Lavadores de lã executam suas tarefas em uma das ruelas da medina

Para quem gosta de bichos e tem por hábito e crença defender os animais, como eu, a visão das mulas sobrecarregadas de peso, com a língua para fora, não é muito agradável. Dá pena dos pobres bichos trabalhando tão arduamente, carregando alimentos, tecidos, objetos pessoais e tudo o mais que puder ser colocado em suas costas.

O que não é carregado pelas mulas, acaba sendo transportado por carrinhos de mão ou levado nas costas das pessoas. Mesmo com pena das mulas, nota-se que a vida também não é fácil para os habitantes da medina e pessoas que necessitam transitar por lá diariamente.

 

Foi na medina de Fès que as cenas da novela O Clone foram gravadas. Curiosamente, eles lembram desse fato até hoje se referindo como a “famosa novela brasileira”.

As casas habitadas parecem ser muito simples vistas por fora, pois vemos apenas a porta de entrada, porém na verdade são grandes e espaçosas por dentro. Seguindo a arquitetura típica árabe, há um corredor por trás da porta de entrada que leva para um átrio central, alguns com fonte de água do meio, rodeado pelos cômodos.

No segundo andar ficam os quartos, geralmente espaçosos também e no último andar o terraço, que alguns usam como varanda ou quintal. É comum ver ali alguns varais com roupas estendidas para secarem.

A maioria das casas também possuem comunicação entre si, assim as mulheres poderiam visitar umas às outras sem precisarem sair nas ruas. Dessa forma, elas permaneciam grande parte do tempo dentro das moradias.

No alto das casas é possível ver pequenas janelas com grades de ferro feitas com desenhos arabescos. Essas janelinhas serviam para permitir às mulheres que vissem a movimentação das ruas sem serem vistas por quem lá estivesse passando.

Outro ponto em comum das casas dentro da medina é que elas não possuem forno, pois seria impossível assar alguma coisa nas casas sem “poluir” o ar da medina. Há um forno grande e comunitário que os moradores usam. É comum ver várias meninas novas carregando sobre as cabeças ou nas mãos tabuleiros de pães para assar ou recém assados no forno comunitário.

A estrutura interna das casas é bem visível nas lojas de tapetes ou couro que visitamos. As lojas, assim como as compras tão desejadas para quem vai ao Marrocos, serão melhor detalhadas em outro post. Isso porque comprar no Marrocos não é uma atividade qualquer, leva tempo e dedicação para o extenso processo de barganha tão característico do país.

Parecem estranhos, mas esses vegetais secos à venda são usados como palito de dentes pelos marroquinos

Os únicos momentos em que a vida dentro dos muros da medina parece se acalmar um pouco são durante as chamadas para oração. Nessa hora, várias pessoas se dirigem à mesquita mais próxima para orar. É nítida a mudança de humor nas ruas e comércios. O respeito pela fé e crença fala mais alto do que qualquer atividade cotidiana.

Uma rua incrivelmente calma e vazia durante o chamado para a oração. Algumas lojas já estão fechadas por causa do feriado religioso

Para que todos possam se dirigir à mesquita, há por todas as ruas uma linha formada por círculos salientes nas paredes. Essas bolinhas existentes por todos os lados servem para guiar os cegos, que tocando nas bolinhas conseguem se locomover em direção às mesquitas e assim cumprirem as obrigações religiosas.

Quando termina o chamado, a vida volta a pulsar freneticamente em todas as ruelas e comércios existentes.

Tâmaras,passas e outras frutas secas de um lado…

… e uma loja de vestidos ricamente bordados do outro

Estando dentro da medina, não se sente vontade de sair. Sem dúvida, é um mundo diferente, algo que parece ser possível apenas na imaginação ou nos contos árabes. Visitamos o local durante o dia e à noite, e cada momento foi prazeiroso e memorável, mesmo com toda a agitação da multidão, aumentada ainda mais por ser a véspera do feriado religioso, mesmo com a presença das mulas, carneiros e outros bichos se misturando com as pessoas. No final, tudo era novo e fascinante.

Vendedor de perfumes trabalhando à noite

Confusão em uma das lojas da medina

Para quem vai ao Marrocos, a visita à medina de Fès é com certeza um ponto obrigatório. Tanto por ser a medina mais antiga do mundo árabe, quanto por ser um experiência única, com direito a sermos transportados para outra época, um período onde o tempo permaneceu o mesmo, sem se alterar apesar de todas as mudanças ocorridas no mundo tecnológico em que vivemos hoje em dia.

De todos os lugares que visitei no Marrocos, a medina de Fès é um dos que mais me lembro com saudade e com uma imensa vontade de voltar para vivenciar novamente toda a confusão, aglomeração e barulho existentes por detrás das muralhas. Não é à toa que a medina faz parte do patrimônio mundial protegido pela UNESCO.

À noite, os muros da medina parecem ainda mais imponentes

 

Lavadores de lã executam suas tarefas em uma das ruelas da medina

Para quem gosta de bichos e tem por hábito e crença defender os animais, como eu, a visão das mulas sobrecarregadas de peso, com a língua para fora, não é muito agradável. Dá pena dos pobres bichos trabalhando tão arduamente.

Fès, a cidade imperial mais antiga do Marrocos

Saindo de Meknès, e após passar por Volubilis, fomos para Fès que, para mim, foi o auge da viagem ao Marrocos.

Em Fès, podemos sentir o mais puro jeito de ser do marroquino. Sua medina formada pelo labirinto de ruelas, os souks repletos de lindos tapetes, artesanatos e roupas, com vendedores ávidos por turistas, as muitas mesquitas, o belíssimo palácio real, a multidão de pessoas nas ruas e a olaria onde aprendemos como são feitos os magníficos mosaicos são lembranças que, com certeza, não serão esquecidas.

Decididamente, Fès é uma cidade que deve constar no roteiro de qualquer pessoa que vá para o Marrocos.

Fès está situada a 60 km de Meknès. A cidade é a mais antiga dentre as cidades imperiais do Marrocos, sendo a primeira capital do país. É uma das cidades mais prestigiadas no mundo islâmico, devido ao fato de ter sido por séculos o centro da cultura e religião para a civilização Magrebe (povos do noroeste da África, abrangendo Marrocos, Tunísia e Argélia).

Vista do alto da medina de Fès, a mais antiga do mundo árabe

A cidade foi fundada em 789 por Idriss I. Sua localização geográfica nas terras férteis ao pé do Monte  Zalagh, favoreceu o crescimento econômico e político, sendo um fator decisivo para o desenvolvimento e influência da cidade.

Fès foi a capital política e espiritual de Marrocos por mais de 1.000 anos desde a sua criação por Moulay Idriss. Sua fase áurea foi na Idade Média, quando estava no centro da vida política, cultural e religiosa do Marrocos e de todo o mundo muçulmano, sendo referência em matemática, filosofia e medicina.

Muros ao redor de Fès el-Bali, a cidade antiga

No reinado dos Almorávidas e Almoádas, a capital do Marrocos se mudou para Marrakech, somente quando os Merenidas chegaram ao poder que Fès voltou a ser a capital do reino. Nessa época, a cidade era pequena demais e um novo centro urbano teve que ser desenvolvido, chamado de Fès el-Jedid (nova Fès), onde se encontra o palácio real.

Fès el-Bali (antiga Fès) foi submetida à restauração e é, no meu ponto de vista, o lugar mais interessante para se visitar, pois é onde se encontra a intrigante medina. Mais tarde, a capital voltou a ser Marrakesh, no reinado dos sauditas e, posteriormente foi transferida para Meknès, no reinado de Moulay Ismail. Durante todo esse tempo, aproximadamente 2 séculos, Fès caiu no abandono. Somente no reinado do sultão Alauíta Moulay Abdullah que a cidade voltou a ser a capital, até o estabelecimento de Protetorado, onde então a capital do reino do Marrocos passou a ser Rabat, que permanece até hoje.

Aglomerado de pessoas em uma das portas de entrada para a medina.

Hoje em dia, Fès é a segunda maior cidade do Marrocos, com uma população de aproximadamente 1 milhão de  habitantes. A cidade mostra influências dos povos árabes, berberes, judeus e da Andaluzia. Ela é conhecida por seus belos artesanatos, sendo uma das melhores cidades para ir às compras.

Uma vez que comprar no Marrocos é praticamente um processo que necessita tempo e dedicação, esse será um tópico discutido mais adiante.

Vendedores no interior de uma loja de tapetes em Fès el-Bali

Assim como cada cidade no Marrocos é conhecida por uma cor, Fès também possui sua cor característica, o azul cobalto, facilmente visível no artesanato, principalmente nos mosaicos e vasos.

Belíssimo mosaico feito manualmente na olaria de Fès

O povo de Fès é simpático e amigável. Eles são orgulhosos de sua cidade pela importância histórica, cultural e religiosa. Afinal a cidade possui a medina mais antiga do mundo árabe. Sua autenticidade e seus mais de 1200 anos de idade lhe valeram a entrada para a lista de Patrimônio da Humanidade da UNESCO, dentre as muitas construções famosas em Fès, pode-se citar a primeira universidade islâmica que se encontra no interior da medina.

Vendedor de tâmaras no interior da medina

Fès é um mundo a ser descoberto. A cidade ainda mantém o ar de Idade Média, misturado com a vida moderna fora dos muros da medina.

Visitar Fès é uma experiência única que merece ser vivida com calma, mergulhando na sua autenticidade, onde os anos parecem não ter passado. O local é fascinante, é preciso estar lá para entender e sentir todo o mistério, magia e peculiaridades da sua medina e de tudo o mais que envolve e representa a cidade.

Decididamente, nenhuma viagem ao Marrocos está completa se Fès não fizer parte do roteiro.

 

 

 

A imponente e majestosa catedral de Colônia

Fui parar em Colônia em junho de 2008, enquanto ia de Berlim para Bruxelas. O trem parou em Colônia, da janela avistei a catedral e não deu outra. Sai correndo do trem e fui visita-la, enquanto aguardava o novo trem que partiria para Bruxelas.

A catedral de Colônia (em alemão Kölner Dom) é uma igreja católica de estilo claramente gótico, sendo o marco principal da cidade e seu símbolo não-oficial. É dedicada a São Pedro e à Virgem Maria.

A catedral está incluída na lista de patrimônio histórico da UNESCO, onde é descrita como “trabalho excepcional do gênio criativo humano”. E esse trabalho excepcional é diariamente visitado por cerca de 30 mil pessoas.

A catedral foi construída no local de um templo romano do século IV, um edifício quadrado conhecido como a “mais velha catedral” e administrada por Maternus, o primeiro bispo cristão de Colônia. Uma segunda igreja foi construída no mesmo local, e foi então chamada de “Velha Catedral”, cuja construção foi completada em 818, porém acabou incendiada em 1248.

Com a Segunda Guerra Mundial, a catedral acabou sendo vítima de nada menos que 14 ataques por parte de bombas aéreas. Apesar disso, a Kölner Dom não caiu e permaneceu de pé, aguardando a reconstrução que seria completada somente em 1956.

Até o fim da década de 1990, havia na base da torre noroeste um reparo de emergência feito com tijolos retirados de uma ruína próxima da guerra. Esse reparo mau feito permaneceu visível como uma lembrança da guerra, mas então foi decidido que ele deveria ser reformado para voltar com a aparência original. Que bom, ninguém quer lembranças ruins em um lugar tão excepcional.

A catedral é uma das maiores do mundo e a maior igreja gótica do norte da Europa. Por quatro anos, entre 1880-1884, ela foi a estrutura mais alta do mundo, até a conclusão do Monumento de Washington. Mesmo assim, suas duas torres ainda permanecem como as segundas maiores torres, sendo superada apenas pela torre única da Igreja Ulm Minster, completada 10 anos depois, em 1890, na cidade de mesmo nome Ulm, também na Alemanha.

Devido a suas enorme torres gêmeas, a catedral também apresenta a maior fachada de uma igreja no mundo. O coro, medido entre os pilares, também possui a maior razão entre altura e largura de uma igreja medieval. São medidas que realmente impressionam. A ponto de tirar alguém de seu trem, rs.

Segundo a tradição, no interior da catedral está guardado o relicário de ouro com os restos mortais dos Três Reis Magos Baltazar, Melchior e Gaspar

Fonte:.Wikipédia

Esta catedral foi uma das mais lindas que já visitei. Se por fora ela é exuberante, por dentro ela nos toma o fôlego. São tantos detalhes e tamanha grandiosidade da construção, que fica difícil decidir para onde olhar primeiro.

Bom, na minha opinião, as catedrais góticas são sempre as mais bonitas. Esse estilo envolto em mistérios nos leva à Idade Média e nos remete toda a áurea de uma época em que a arte só era possível se utilizada para fins religiosos. Uma vez que pintura e escultura não eram muito incentivadas pela classe sacerdotal nessa época, restou mesmo aos grandes artistas dedicarem seu tempo e criatividade para construírem templos tão belos como a catedral de Colônia. Um magnífico exemplo de até onde a criatividade humana, quando usada para o bem, pode levar.

Infelizmente não tirei fotos de seu interior, pois a bateria da minha máquina tinha acabado. E o motivo disso foram dois suecos infelizes que roubaram minha mochila, enquanto eu ajudava minha mãe a subir no trem. O carregador da bateria estava obviamente dentro da mochila para que eu pudesse carregar dentro do trem.

As fotos do interior da catedral foram retiradas do site Sacred Destinations. Um ótimo site por sinal, lá tem fotos (muitas fotos!) de alguns destinos sacros ou históricos no mundo. O site não faz menção ao Brasil, mas vale a pena dar uma olhada.

A catedral é aberta ao público de maio a outubro da 6:00 as 21:00 e de novembro a abril das 6:00 as 19:30. Durante a missa não é permitida a visitação.

É possível subir na torre entre 9:00 e 17:00 horas. O ticket custa 2,50 Euros. A entrada fica do lado de fora da catedral, próxima à entrada principal, no lado direito. Dá para ouvir o sino tocar, mas nesse caso é necessário o uso de protetor auricular.

A câmara do tesouro fica aberta diariamente entre 10:00 e 18:00. O custo do ingresso é 4,00 euros. Dá para comprar um ingresso combinado para ver o Tesouro e a Torre. Nesse caso sai mais barato, 5,00 euros.