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No caminho de Fès a Marrakech, vivenciando a festa religiosa no Marrocos

No último dia em Fès, arrumamos nossa bagagem e saímos cedinho rumo à tão esperada Marrakech. Esse era um dia muito especial no Marrocos, e acredito que em todos os países muçulmanos também, afinal era a festa religiosa conhecida como O Sacrifício de Abraão ou a Festa do Cordeiro, fazendo referência à passagem bílbica onde Deus pede para Abraão sacrificar seu filho em honra a Ele, porém, na hora do sacrifício, um anjo é enviado e entrega a Abraão um cordeiro para ser sacrificado no lugar de seu filho Isaque (Gênesis, 22:1-19).

Desde nosso primeiro dia no Marrocos, em Casablanca, que víamos pessoas carregando cordeiros em carros, camionetes, carrinhos de mão e até mesmo nos próprios ombros. A mesma cena se repetia várias e várias vezes em Rabat, Meknès e Fès. Isso obviamente despertou minha curiosidade e foi então que descobri, que toda aquela movimentação era na verdade os preparativos para a festa religiosa, assim como as compras de Natal para nós.

Nas ruas de Casablanca, o comércio de cordeiros por todos os lados

A medida em que se aproxima a data, o comércio de cordeiros fica ainda mais intenso. A movimentação dentro da medina aumenta ainda mais, com pessoas agitadas comprando todos os preparativos para a grande festa.

No dia em si, as pessoas parecem mais calmas, mais tranquilas, mais centradas na festividade. Logo cedo, elas tomam um café da manhã bem especial e vão para as mesquitas participarem do culto. Os homens se dão quatro beijos para desejar boas festas. As crianças ganham roupas e sapatos novos, doces, presentes e dinheiro. Nesse ponto, a festa religiosa é parecida com o Natal com relação à importância da data e à troca de presentes. No entanto, as similaridades param por ai.

Em Casablanca víamos várias camionetes carregando cordeiros para diversas famílias

Quando as pessoas voltam da celebração na mesquita, elas dão início ao sacrifício do cordeiro e ai entra a parte que, para nós ocidentais, é difícil de compreender. As famílias vão então para a frente de suas casas e lá sacrificam o animal. Depois disso o penduram de cabeça para baixo para que todo o sangue escorra. O significado da festa está justamente no sacrifício do cordeiro, por isso não se pode apenas comprar a carne, deve-se comprar o cordeiro vivo e sacrificá-lo na frente da casa. Isso para reviver o sacrifício de Abraão, patriarca de todos os muçulmanos, que iria ceder seu filho a Deus. Sendo assim, as pessoas fazem esse ritual para atrair as bençãos de Deus para sua família e descendentes, uma vez que eles próprios são descendentes de Abraão. Assim, eles mantém vivo o compromisso de Abraão e sua descendência para com Deus.

Eu, particularmente, apesar de respeitar a fé e crença de cada um e de entender o forte significado religioso, não me senti bem com a questão do sacrifício. Quem me conhece, sabe como sou apegada a bichos e por isso decidi não olhar para nenhuma casa onde estivesse acontecendo o sacrifício. Essa atitude me rendeu muitas horas de viagem sem olhar para a estrada, pois por todos os lados haviam famílias comemorando a data.

Um rapaz leva seu cordeiro em um carrinho de mão em Meknès

Mesmo para eles é difícil encarar o ato de matar o cordeiro, principalmente para as crianças. Esse é o motivo pelo qual elas recebem mimos como presentes e doces, afinal os pequenos se apegam ao cordeiro nos dias em que precedem a comemoração e acabam sofrendo quando ele é morto. Alguns adultos também ficam sentidos. Nosso guia me contou que ele ainda lembra de quando era criança e via o cordeiro sendo morto. Ele também mencionou que, mesmo agora sendo adulto, não tem coragem para sacrificar o cordeiro. Quando isso ocorre,  um vizinho é chamado para executar a tarefa. Isso não deixa de ser um bonito ato de solidariedade, esquecendo de que se trata do ato de matar um bicho.

Outro ato de solidariedade religiosa é o fato de que famílias ricas costumam comprar dois 2 cordeiros, um para elas e outro para doarem a uma família pobre que não tem condições de adquirirem um. Dessa forma ninguém fica sem comemorar o dia religioso.

A mesma cena se repete nas ruelas da medina de Fès

No dia da festa mesmo não se come a carne, só no dia seguinte. Esse também é um dos motivos pelo qual o café da manhã é bem reforçado. No dia festivo, apenas o sangue é derramado lembrando o ato de Abraão, nos demais dias que se come a carne e depois aproveita até mesmo o couro do carneiro.

A Festa do Cordeiro não tem data fixa para ocorrer, assim como nossa Páscoa. Ela corresponde  ao final do ano muçulmano. Nesse caso, o  ano que começava para eles era o 1432, enquanto que para nós era novembro de 2010. O ano 1 islâmico corresponde ao nosso ano 622. Na verdade, eles seguem o calendário lunar, ao contrário de nós que seguimos o calendário solar ou gregoriano. No Islam, o ano começa com a fuga de Maomé de Meca para Medina (Hegira). O calendário possui 12 meses como o nosso, porém são mais curtos, com 30 ou 29 dias, o que dá 355 ou 354 dias, 11 dias a menos que o calendário gregoriano.

De um jeito....
....Ou de outro, o cordeiro vai para casa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vivenciar essa festa religiosa foi bom pelo fato de poder conhecer mais da cultura e fé do marroquino, porém para ser sincera foi um momento bem difícil para mim, por amar aos bichos (embora eu coma carne) e também pelo forte sentido religioso, envolvendo filhos e sacrifício. Mas de tudo, ou quase tudo, tiramos uma boa experiência e lição de vida.

À tarde, as casas, ruas e estradas ficaram silenciosas e aparentemente vazias. No final do dia, somente as viúvas dos carneiros permaneciam nos campos.

Ao final do dia, somente as viúvas dos cordeiros restam nos pastos na beira da estrada

 

 

 

Kasbah des Oudaïas, a casa dos piratas em Rabat

Um dos lugares mais interessantes para conhecer em Rabat é o Kasbah des Oudaïas, uma fortaleza que data do período almorávida (séculos XI e XII). Os almorávidas eram originalmente monges soldados provenientes de grupos nômades do Saara.

Visitei o Kasbah des Oudaïas à noite, após, visitar o Mausoléu de Mohammed V e a Mesquita Hassan. De longe já se avista a impressionante muralha do Kasbah, com cerca de 10 metros de altura e 2,5 metros de espessura.

 

Bela muralha almorávida do Kasbah des Oudaïas

Pode-se entrar no Kasbah pelo imponente portão Bab Oudaïa. Esse portão, assim como muitos dos grandes monumentos do Marrocos, é de fundação almóada, a dinastia que sucedeu aos almorávidas no século XII. O portão foi construído por volta de 1195, por Yacoub el Mansour na parede já construída por seu avô Abd el Moumen.

Imponente portão almoáda Bab Oudaïa

Bab Oudaïa se localiza na Rua Jamaa. O portão foi construído em cantaria (pedra talhada) e magnificamente esculpido em ambos os lados. O portão em si não impressiona tanto por seu tamanho, já que essa é uma característica da arquitetura almoáda, mas sim pela força visual e simplicidade da sua decoração.

A forma do portão é baseada na característica básica da arte islâmica, ou seja, o arco em forma de ferradura, que, nesse caso é seguido por 2 outros arcos decorados com o padrão geométrico darj w ktarf, que significa literalmente um desenho de rosto e ombros, lembrando vagamente uma flor-de-lis.

Entrando no Kasbah

O Kasbah des Oudaïas é um lugar pitoresco, com casas e ruas em um padrão diferente daquelas encontradas nos outros bairros de Rabat. Estando no Kasbah já se nota a diferença. São várias ruelas cheias de casas brancas e azuis, o que acabou originando a cor característica de Rabat (no Marrocos, cada cidade possui uma cor característica).

 

Por dentro do Kasbah des Oudaïas, um labirinto de ruelas charmosas pintadas de branco e azul

Existe toda uma atmosfera romântica permeando as ruas do Kasbah. Suas ruas com casas antigas, belos portões, vasos e mosaicos, nos remete a outra época. É como se tivéssemos voltado no tempo, ou sido transportados para algum cenário de filme.

Porém o Kasbah não é formado apenas por sensações e impressões que se formam nas nossas mentes quanto lá estamos. Ali também aprendemos um pouco da história do Marrocos e seus costumes.

No início era originalmente chamado de Mehdiya, sendo este Kasbah, o que deu origem ao nome da cidade, já que Kasbah significa fortaleza, assim como Ribat, primeiro nome de Rabat.

Quando os mouros e os andaluzes expulsos da Espanha chegaram em Rabat, o local tornou-se conhecido como Kasbah Andaluz, uma república  autônoma de piratas (1621-1647). Em 1833, a tribo Oudaïa guiada pelo Sultão Moulay Abderrahman de Fez se estabeleceu no local e lhe deu o nome de Kasbah des Oudaïas, pelo qual é conhecido até hoje.

Caminhos que se abrem para serem explorados

O Kasbah des Oudaïas funcionou como o bairro dos piratas durante 200 anos, de 1627 a 1829. Os piratas eram patrocinados pelo imperador Moulay Ismail, uma das figuras marcantes da história do Marrocos, conhecido tanto por sua extravagância, bem como pela sua crueldade lendária.

Ismail patrocinava os piratas tanto para obter tesouros roubados quanto para que mulheres de todo o mundo conhecido na época fossem seqüestradas  para incrementar seu harém, que contabilizava 500 esposas.

Casa do líder dos piratas dentro do Kasbah des Oudaïas

Protegidos por Ismaill, os piratas então usaram a cidade e o seu porto. O labirinto de ruelas que formam o Kasbah serviu de moradia para bandidos, traficantes e marginais, a maior parte composta por espanhóis (85%) e holandeses.

A cor azul das casas foi escolhida pelos próprios piratas, pois era a mesma cor das casas que eles possuíam em Córdoba, na Espanha, além de ser também a cor do mar, a outra moradia deles. Assim, os aparentemente saudosos piratas podiam se lembrar de suas casas.

Um dos canhões que defendiam a fortaleza

O Kasbah oferece uma bela vista para o mar, e foi justamente na parte mais aberta do rio Bou Regreg, que faz divisa com a cidade de Salé, que os piratas fizeram um banco de areia para que navios inimigos ficassem encalhados nesse local, bem na mira dos canhões presentes no interior do Kasbah. Hoje em dia, o local é usado para balsas que atravessam para Salé.

Entrada típica de uma casa no interior do Kasbah

As belas casinhas de paredes envelhecidas e descascadas enganam ao primeiro olhar. São simples por fora, porém por dentro são grandes, formadas por um átrio central espaçoso, geralmente com uma fonte no meio e quartos e salas construídos ao seu redor.

Vista discreta do interior de uma casa do Kasbah

Essa disposição dos quartos e salas ao redor do átrio é típica da arquitetura árabe. É no átrio que a família se reúne e as mulheres se encontram para conversar. No segundo andar ficam os quartos mais íntimos e no terceiro andar o terraço.

No segundo andar se vê pequenas janelas com grades de ferro formando pequenos desenhos. Essas janelas serviam para as mulheres olharem para as ruas sem serem vistas pelos homens.

Detalhe de uma casa mostrando o segundo andar com a pequena janela por onde as mulheres olhavam para a rua

Dentro das paredes do Kasbah também se encontra o Musée National des Bijoux (Museu de Joalharia marroquino), abrigado em um palácio do século XVII, rodeado por um belo jardim andaluz. Ainda nas proximidades, tem-se a mais antiga mesquita na capital, a Mesquita Kasbah, construída em meados do século XI.

O Kasbah des Oudaïas é um lugar bonito, diferente e tranquilo para se visitar. Apesar de parecer um labirinto formado por ruelas de paredes brancas e azuis, o local possui pouco mais de 150 metros de uma extremidade à outra. Assim, para quem quiser se aventurar sem um guia e, por acaso, acabar se perdendo, basta perguntar como se chega ao portão Bab Oudaïa ou La Plataforme, outra saída do Kasbah, próxima à cooperativa de tapetes e ao restaurante La Caravelle.

Belas portas enfeitam as ruas do Kasbah des Oudaïas

O Kasbah des Oudaïas vale a pena visitar não apenas por suas histórias, mas também pela encantadora atmosfera e por todos os cenários atemporais com que somos brindados e que se abrem na nossa frente para belas fotos.

 

Mausoléu Mohammed V e outros lugares em Rabat

Já li em alguns lugares que não compensa conhecer Rabat, a capital do Marrocos, principalmente quando comparada com as outras cidades imperiais como Fès e Marrakech.

Eu discordo muito dessa afirmação. Existem lugares lindos para visitar em Rabat e vou descrever alguns aqui.

O primeiro lugar que visitei na capital foi o Palácio Real, já falado no post anterior sobre Rabat.

De lá fomos para o Mausoléu de Mohammed V, avô do atual rei Mohammed VI, e o responsável pelo nome de várias avenidas por todo o Marrocos.

Chellah

Logo na saída do palácio, avistamos o Chellah, um belo conjunto de ruínas merínidas levantadas por cima de ruínas romanas.

O lugar, como já dá para perceber, tem um significado histórico duplo. Foi lá que os romanos construíram a antiga cidade de Sala Colonia. Até hoje ainda não foram descobertas ruínas significativas da presença romana no local, porém as escavações  já mostraram a existência da cidade e dão um idéia de sua importância na época.

Já a presença dos Merínidas, que vieram após os romanos, é bem mais evidente no Chellah. Os Merínidas foram uma dinastia bérbere (povo nativo do Marrocos) que reinou no país entre os séculos XIII e XV, logo após a queda dos Almóadas em Marrakech. Durante o reinado dessa dinastia, a capital foi transferida para Fès e posteriormente para Rabat.

A dinastia Merínida foi construída sobre uma combinação entre o islamismo tradicional e o folclore bérbere. Os governantes merínidas incentivaram muito o desenvolvimento das artes e arquitetura marroquina. Na época de seu domínio, o Chellah funcionava como um cemitério real.

Beleza e força da arquitetura merenida na muralha e porta do Chellah

Uma das partes que mais chama a atenção ​​do Chellah é a bela porta de 800 anos, típica da arquitetura merenida, que combina simplicidade e solidez. Em seu estado original, a porta era revestida de mármore com cores vivas e decorada com azulejos. Dá para imaginar que ela deveria ser então bem mais imponente e bela do que se vê hoje.

O Chellah abre diariamente das 9:00 as 17:30, o ingresso custa 10 dihans.

Mausoléu Mohammed V

Após passar o Chellah, chegamos ao Mausoléu Mohammed V, construído em 1962 pelo Rei Hassan II, o mesmo responsável pela construção da Mesquita Hassan II de Casablanca. Ele mandou construir esse imponente mausoléu em honra ao seu pai, o sultão Mohammed V, chamado pelos marroquinos como o “libertador do Reino”.

O sultão é lembrado como responsável pela luta que resultou na independência do Marrocos. Hoje em dia, Hassan II e seu irmão, Moulay Abdellah, também estão enterrados, ao lado de seu pai.

Fachado do Mausoléu de Mohammed V, construído com mármore branco e azulejos verdes

O mausoléu é uma obra prima da arquitetura hispano-mourisco e da arte tradicional marroquina.  Se do lado de fora ele já chama a atenção, do lado de dentro, seu encanto é ainda maior.

Foram necessários 400 homens para a construção do mausoléu, que levou cerca de 9 anos para ser completado.

 

Entrada principal do Mausoléu Mohammed V
Segurança com roupa típica guarda a porta que leva ao interior do mausoléu

A decoração rica em detalhes atinge o máximo da expressão e evolução da arte no Marrocos. Inscrições, desenhos, formas geométricas, cedro, ouro e mármore dão forma a um espaço belo e cuidadosamente planejado.

 

Interior do Mausoléu com a tumba principal do sultão Mohammed ladeada pelas de seus filhos

Rom Landau (1927-1974), autor britânico e estudioso da cultura árabe marroquina e também de outros países do Oriente Médio, escreveu que o Mausoléu de Mohammed V “une a majestade e a sobriedade da arte almoada, inteiramente dedicada à religião, a elegância e a pompa merenida e o sentido da grandeza das dinastias saadiana (séculos 16 e 17) e alaouita (séculos 17 e 18, os alaouitas são conhecidos por serem árabes descendentes de Maomé)”.

Bom, independente de conhecer ou não esses povos e dinastias, é impossível não se impressionar com a beleza do local.

Beleza do teto de cedro minuciosamente trabalhado

O Mausoléu constitui um importante santuário para os marroquinos e um dos poucos locais onde se permite a entrada de não-muçulmanos.

Devido à sua importância, seja história ou seja religiosa, o local é protegido por vários  guardas vestidos com vibrantes roupas vermelhas.

Inscrições e desenhos geométricos decoram as paredes do mausoléu

O Mausoléu de Mohammed V está localizado na Praça Al-Yacoub Mansour. A entrada é gratuita.

Mesquita Hassan

A Mesquita Hassan fica exatamente em frente ao Mausoléu do Mohammed V. Essa mesquita tem uma história bastante interessante e até certo ponto engraçada.

Inicialmente, a mesquita era o mais ambicioso de todos os edifícios almóadas. Ela foi encomendada pelo sultão Yacoub Al Mansour no final do século 12. Esse sultão pertencia à dinastia Almóada, uma potência religiosa bérbere que se tornou a quinta dinastia moura, tendo se destacado do século XII até meados do século XIII.

O desejo de Al Mansour era construir a maior mesquita do Marrocos, porém a mesma nunca foi concluída. Se tivesse sido finalizada, seria, na época, a segunda maior mesquita do mundo islâmico.

Mesquita Hassan, o projeto mais ambicioso, porém inacabado do sultão Al Mansour

Al Mansour decidiu construir a mesquita para celebrar sua vitória sobre o rei espanhol. Sua idéia de grandiosidade para o edifício superava até mesmo o número de habitantes em Rabat suficientes para frequenta-la.

Na época, a principal mesquita do Marrocos, localizada em Fès, tinha capacidade para 20.000 fiéis, no entanto, seriam necessários 100.000 fiéis para preencher a mesquita Hassan. Esse número nem de longe condizia com a população de Rabat, que naquele tempo era apenas um vilarejo elevado à condição de capital por Al Mansour.

Minarete inacabado de 50 metros de altura. O projeto inicial era de 80 metros

 

A torre teve sua construção iniciada em 1195, ao mesmo tempo em que a mesquita Koutoubia em Marrakech e a Giralda em Sevilha. Todas seguindo o estilo arquitetônico almóada.

Apesar de não aparentar, o minarete da mesquita Hassan é sem dúvida a mais complexa de todas as estruturas almóada, que caracterizam-se pela simplicidade e austeridade.

Cada fachada é diferente, com uma combinação distinta de padrões, com toda a complexidade das arcadas e curvas entrelaçadas sendo baseada em apenas dois modelos formais.

A parte cômica da construção da mesquita Hassan que os marroquinos gostam de contar fica por conta dos anseios religiosos e de grandiosidade de Al Mansour.

Segundo a tradição religiosa, quem constrói 7 mesquitas garante sua entrada direta no Paraíso com direito à compania de 14 virgens. A Mesquita Hassan, seria a sétima e maior mesquita a ser construída pelo sultão. Porém sua grandiosidade acabou atrapalhando seus planos, pois Al Mansour acabou falecendo antes de concluir seu projeto.

Com a sua morte, houve a mudança da dinastia almóada para a merínida e o seu sucessor simplesmente abandonou o projeto da construção da mesquita.

Al Mansour conseguiu construir durante sua vida seis mesquitas e meia e, por isso, o infeliz sultão não conseguiu garantir sua viagem de primeira classe para o Paraíso.

Independente de ter encontrado ou não as virgens no Paraíso, uma coisa é certa, Al Mansour passou a fazer parte das histórias bem humoradas que os marroquinos tanto gostam de contar.

A Mesquita Hassan abre diariamente entre 08:30 e 18:30, a entrada é gratuita.

A capital Rabat e o palácio real

Localizada a beira-mar, na foz do rio Oued Bou Regreg, Rabat é a capital administrativa e política do Reino do Marrocos desde a independência em 1956. Lá se encontram a residência principal do rei Mohammed VI e a sede do governo e das embaixadas estrangeiras.

A cidade possui uma longa e rica história que pode ser sentida nos monumentos e ruínas existentes desde a época dos fenícios (primeiros habitantes), romanos, almoádas e merenidas.

Algumas descobertas arqueológicas revelaram a existência de um povoado no local datando do século III A.C. Seu antigo nome era Chellah. No ano 40 D.C, os romanos assumiram a cidade e mudaram seu nome para Sala de Colonia, porém no ano 250 D.C. os romanos abandonaram a colônia.

Por volta do século 10 D.C, Abd al-Mu’min construiu no local, uma fortificação chamada ribat, para uso como ponto de ataques contra a Espanha. Em 1170, devido a sua importância militar, a cidade, passou a chamar-se de Ribatu l-Fath, que significa “fortaleza de vitória“.

A fortificação existente deu origem ao nome atual da cidade: Rabat.

Rabat à noite. Rio Oued Bou Regreg que separa a capital da cidade de Salé

Rabat tornou-se uma das 4 cidades imperiais do Marrocos em 1660. As outras cidades imperiais são Meknès, Fès e Marrakech.

A cidade possui cerca de 1,7 milhões de habitantes. A capital do Marrocos é agradável, com avenidas largas e muito limpas.

Assim como outras cidades do Marrocos, Rabat também possui sua cor: azul claro, a cor das casas do Kasbah des Oudaias, local onde os piratas habitavam (assunto para o próximo post).

Uma das avenidas de Rabat ladeada por árvores

Parece existir uma certa rixa entre Casablanca e Rabat, devido principalmente ao ritmo de cada cidade. Uma vez que Rabat é a capital possuindo muitos prédios públicos, os habitantes de Casablanca costumam fazer piadas quanto à lentidão do serviço público de Rabat em contraste com a agitação da vida corporativa em Casablanca. Algo que estamos bem acostumados por aqui também…

A arquitetura predominante na cidade é a colonial, com villas muito bonitas. Villa é o nome como são chamadas as grandes casas, com um pátio central com fonte e os quartos ao redor deste. As villas são habitadas por uma família inteira.

Como Rabat não é tão turística quanto Fès ou Marrakech, é mais fácil andar nas ruas sem atrair tanto a atenção de vendedores ou outras pessoas que vivem do turismo. Isso pode facilitar a vida dos turistas que não gostam muito do costume marroquino da barganha na hora de comprar tapetes, artesanatos ou qualquer outro item.

Para quem gosta de pistache, é o local certo para comprá-lo. É lá que se encontra a maior produção de pistache do Marrocos.

Casa conhecida como Villa

Palácio Real

Quando chegamos em Rabat, ao final da tarde, o primeiro local que visitamos foi o Palácio Real ou Dar alMahkzen, a sede do governo, onde trabalham e residem mais de duas mil pessoas.

Portão de entrada para o Palácio Real e Jardim Andaluz

O palácio foi construído em 1864 sobre as ruínas de outro antigo. Faz parte das muitas construções ordenadas por Moulay Ismail, o primeiro sultão almóada a unificar o país.  Embora a base de Moulay Ismail fosse Meknès, ele deu à Rabat uma relativa importância na época. Falarei mais sobre esse polêmico sultão no post sobre Meknès.

O rei Mohammed VI usa o palácio para as obrigações do estado. Assim como seus ancestrais, ele recebe convidados estrangeiros no palácio de Rabat, bem como em Fès, Meknès, Tanger, Tetouan, Agadir ou em qualquer outro dos palácios reais existentes no Marrocos.

O palácio é rodeado pelos jardins andaluz que possui, além de lindas árvores, fontes e um agradável boulevard. Toda a área é muito bonita, com uma atmosfera de tranquilidade permeando o local. Os jardins foram construídos pelos franceses no século XX

Árvores da família das Magnólias no Jardim Andaluz

Na área do palácio também há uma mesquita chamada Ahl Fès. Esta é a mesquita particular do rei Mohammed V, onde ele recita as orações de sexta-feira dentre outras da rotina religiosa.

Mesquita particular do rei Mohammed V

Entre a mesquita e o palácio há a praça Mechouar, o local onde se realizam as principais festas em homenagem ao rei.

Palácio real visto da praça Mechouar

O design do palácio segue o estilo tradicional marroquino, com  uma série de salas de recepção agrupadas em torno de um pátio central, dando acesso aos quartos privados.

Os quartos no lado esquerdo do pátio eram os destinados ao hammam, o banho turco, uma característica de todas as mansões nobres, enquanto os quartos do lado direito pertenciam a uma antiga mesquita.

Portão de entrada principal do palácio real

Embora tenham guardas na entrada principal do palácio, eles parecem ser bem mais tranquilos em relação aos turistas e suas máquinas fotográficas do que os guardas de outros palácios reais que já visitei, como os guardas do palácio real de Copenhague, por exemplo.

Guarda real em frente a entrada principal
Seguranças e funcionários no portão secundário do palácio

No alto do portão de entrada principal do palácio há uma inscrição, uma oração de proteção ao rei. Os marroquinos dizem que, como o rei é uma figura muito importante, é necessário pedir a Deus proteção e sabedoria para que ele possa governar bem o país.

A cor verde encontrada no telhado e nos detalhes da construção é uma referência à cor do Alcorão.

Beleza dos detalhes do portão de entrada e parte da oração de proteção ao rei

Não é permitida a entrada no palácio, porém a visita, mesmo que somente na área externa, vale muito a pena.

A arquitetura do palácio é digna de admiração. Todo o local merece uma visita com tempo para que se possa apreciar os jardins com suas belas árvores de troncos grossos e retorcidos, o ambiente calmo e, por fim, o palácio real e seus cuidadosos detalhes admiráveis, tão característicos da arquitetura árabe.

Prédio atual do hamman, o banho turco

Marrocos, um país nem tão perto mas também não tão longe

Marrocos sempre foi um sonho para mim, porém apesar de desejar conhecer o país, acabava sempre escolhendo outro destino na hora de arrumar as malas, na maior parte das vezes a Europa. Foi assim em 2006 e 2007, quando, em ambas as ocasiões, acabei optando pelo Velho Continente ao invés do Marrocos.

E dessa vez não foi tão diferente afinal, eu estava pesquisando roteiros para Egito ou Turquia, quando me deparei com a descrição de um roteiro para Tunísia e Marrocos. Bom, devido a restrições de disponibidade de tempo, a Tunísia foi deixada para uma outra oportunidade e, dessa vez, Marrocos sobressaiu como o destino certo para a ocasião.

É claro que a Europa, minha eterna paixão, acabou sendo de uma forma ou de outra incluída na viagem, com uma rápida passagem pela Espanha com direito a muitos tapas e vinhos. Porém a Espanha fica para outro post. Vamos voltar ao Marrocos.

 

Estreito de Gibraltar. Apenas 14,4 km separam Espanha e Marrocos.

É incrível como muitas pessoas (e me incluo aqui) imaginam a África um destino tão longe, mas não a Europa, sendo que Espanha e Portugal são países vizinhos ao Marrocos. A viagem para esse belo país africano provou para mim que, afinal de contas, a “África é logo ali” (como diria o Vanucci).

Mesmo quando pensamos no custo de uma viagem à África, podemos nos surpreender, pois uma pesquisa de roteiros, pacotes e passagens me mostrou que ir para o Marrocos, Tunísia ou Egito pode ser mais barato do que uma viagem aos nossos vizinhos Chile ou Peru.

Marrocos é um país encantador logo no primeiro contato. Seu povo, sua cultura, sua arquitetura, sua arte, seu jeito especial de ser uma mistura árabe e africana com uma pitada européia, o tornou um lugar cativante, especial, um país que sentimos saudades mesmo antes de partir.

E quando saimos do Marrocos somos impregnados com a eterna sensação de que devemos voltar, seja para rever suas maravilhas, seja para conhecer novos encantos.

Simpatia e hospitalidade dos marroquinos na Mesquita Hassan II em Casablanca

Sua cultura complexa é formada por árabes e berberes e remonta a tempos antigos construídos durante várias invasões de árabes e europeus (romanos, e mais recentemente franceses, portugueses e espanhóis). A história do Marrocos está intimamente ligada à sua localização geográfica. Objeto de desejo de muitos impérios durante séculos, desde o Império Romano até o protetorado francês, sendo que o Reino do Marrocos ganhou sua independência efetiva somente em 1956.

Ponto de encontro das principais caravanas de comércio e excepcional base militar estratégica, o  Marrocos conseguiu enriquecer seu patrimônio cultural a partir de todas essas ricas experiências históricas. O resultado foi uma mistura de cultura e arte hoje plenamente expressas através da diversidade de línguas faladas no Marrocos (árabe, berbere e francês), das religiões que convivem em harmonia (islamismo, judaísmo e cristianismo), e de seus magníficos artesanatos, fabricados há séculos quase que da mesma forma.

 

Interior da medina de Fès, a maior e mais antiga medina do mundo árabe

O Marrocos preservou sua identidade e valores ao longo dos séculos, sem no entanto deixar de se modernizar e de investir em seus recursos, principalmente na exploração do fosfato e no setor de turismo.

A imagem que nos traz é de um povo forte e sereno ao mesmo tempo, ligado em seus valores tradicionais, porém livre de extremismos religioso ou político.

 

Jelaba, a roupa típica de inverno usada no Marrocos

O Islamismo é a religião oficial do país, sendo parte fundamental da história do Marrocos há 14 séculos, orientando a vida espiritual marroquino. O Islã está presente no coração da vida marroquina, através dos costumes, arquitetura e educação. A chamada para a oração pontua a vida das mesquitas marroquinas, mausoléus e escolas corânicas. São hinos fortemente presentes no cotidiano das pessoas.

No entanto, o reino do Marrocos continua a ser essencialmente uma terra de tolerância, onde todos os credos vivem em harmonia. Por séculos, marroquinos judeus e muçulmanos convivem em respeito um ao outro, garantindo a liberdade de culto para uma comunidade diversificada, amigável, equilibrada e hospitaleira.

Muçulmano aguardando o chamado da Mesquita

A complexidade desse país nos desafia a descrevê-lo, mesmo que eu tentasse uma lista imensa de palavras e adjetivos, ainda assim o resultado seria simplificado e superficial. Afinal palavras não conseguem transmitir a beleza das montanhas Atlas, a singularidade de Marrakech, a riqueza dos detalhes encontrados nos mosaicos e outros artesanatos ou o sabor do chá de menta servido em todos restaurantes.

Eu a caráter no Hari Souani construído por Moulay Ismail em Meknès

Uma viagem ao Marrocos não se resume apenas em conhecer suas cidades, montanhas ou deserto. É mais do que isso. O país nos convida a um mergulho em sua cultura milenar, sua língua, sua escrita, seus mosaicos magníficos, sua gente.

Um passeio ao Marrocos não acontece sem sentir a vida pulsante e intensa existente dentro dos muros das medinas, sem sentir os mais diversos odores e cores de suas especiarias, dos tajines e cuscuz servidos em todos os lugares, sem ser arrastado para a multidão composta por nativos e turistas na praça Djemma El Fna, repleta de encantadores de  serpentes, adestradores, contadores de história, performistas e outros em busca da atenção e moedas dos turistas.

Sem dúvida alguma, Marrocos é um país cheio de encantos e surpresas, que nos presenteia com a magia das 1001 noites e, principalmente, com um destino prazeroso e inesquecível.