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Jardin Majorelle, um local de inspiração em Marrakech

No último dia em Marrakech aproveitei a manhã livre e ligeiramente fria para conhecer o Jardin Majorelle. Pegamos um taxi no hotel e nos dirigimos para o jardim logo cedo, porém para nossa surpresa, o taxi parou em frente a um centro comercial e disse que esperaria por nós, caso quiséssemos fazer compras lá.

Bom, em se tratando de comércio e marroquinos, é preciso ser bem incisivo quando não se deseja comprar nada. Assim, após deixar bem claro ao motorista que nosso objetivo realmente era visitar o Jardin Majorelle, ele seguiu para lá.

O Jardin Majorelle foi fundado pelo francês Jacques Majorelle que se mudou para Marrakech em 1919 para seguir com a carreira de pintor. Em 1924 ele comprou o terreno que viria a se tornar o belo jardim, que só foi aberto oficialmente ao público em 1947. Hoje é um dos lugares mais visitados de Marrakech, recebendo mais de 600 mil turistas ou cidadãos marroquinos por ano.

Entrada do Jardin Majorelle

O jardim ocupa uma área de cerca de meio hectare, onde estão distribuídas plantas exóticas, vários tipos de cactos, bambus, buganvílias e muitas outras plantas vindas dos cinco continentes, o que fez de Jacques Majorelle um dos colecionadores de plantas mais importante de sua época. Tudo muito bem organizado com detalhes de vasos e canteiros em tom de azul cobalto,  junte-se a isso fontes que refrescam o local e todo o conjunto forma quadros perfeitos favorecendo a tomada de belas fotos.

Aliás, o azul do jardim contrasta com os tons ocres, característicos de  Marrakech, o que torna o Majorelle ainda mais especial e único dentro da cidade.

Cactos, cactos e mais cactos

O local emana uma paz e harmonia muito grande. Como cheguei bem cedinho, logo que o jardim abriu ao público, o espaço estava vazio, com poucos turistas que chegaram somente mais tarde. Assim, deu para aproveitar bem cada recanto do jardim, apreciando ao máximo toda sua beleza exótica e personalidade única.

Sobre o local, Jacques Majorelle dizia “Este jardim é uma tarefa terrível, que eu dou-me inteiramente. Ele toma meus últimos anos e eu caio exausto sob seus ramos, depois de dar todo o meu amor“. Bom, a fama criada pelo belo jardim acabou por ultrapassar as obras criadas pelo pintor.

A beleza exótica das plantas do Jardin Majorelle

Em 1980, Yves Saint Laurent e Pierre Bergé compraram o jardim e decidiram morar no local, mudando seu nome para Villa Oasis. Yves Saint Laurent usava o jardim como fonte de inspiração para suas criações. Andando por seus caminhos em meio a tantos cactus e outras plantas exóticas dá para entender o porquê da escolha do jardim para a inspiração do estilista.

Segundo as palavras de Yves Saint Laurent: “Faz muitos anos que encontro no Jardin Majorelle uma fonte inesgotável de inspiração e seguidamente sonho com suas cores que são únicas“.

Sem dúvida, um belo local de inspiração para pintores, estilistas e todos nós

A bela casa azul, em estilo art decó existente no jardim abriga hoje o museu de arte marroquina (Musée d’Art Marocain), com exposições da cultura bérbere. Há também uma loja com vários artesanatos, velas e sabonetes perfumados, principalmente com essência de flor de laranjeira (uma das minhas fragrâncias preferidas) e outros produtos típicos.

Belo tom de azul cobalto, em contraste com o ocre de Marrakech

Aproveitei minha manhã tranquila no Jardin Majorelle para tirar várias fotos, usei a beleza do local para fazer um ensaio fotográfico com um dos muitos lenços que comprei durante a viagem, resultando em um book a la marroquina. Ali pude aliar duas paixões, viagem e fotografia.

Ao final da visita, retornei ao hotel, me despedi de Marrakech e retornei para Casablanca de onde pegaria o vôo para Madri.

Uma das fotos do ensaio fotográfico no jardim

O Jardin Majorelle fica na avenida  Yacoub El Mansour. Abre diariamente das 8:00 as 17:30 no inverno (outubro a abril) ou até as 18:00 no verão (maio a setembro). O ingresso para o jardim custa 50 dihans (aproximadamente 4,50 euros), com um acréscimo de 25 dihans para o museu de Arte Marroquina.

Variedade de plantas exóticas

Um jantar das mil e uma noites no Chez Ali em Marrakech

Na nossa última noite em Marrakech, após ficarmos imersos na diversidade existente na praça Djemaa el Fna, fomos para o Chez Ali, um restaurante temático folclórico. Reza a lenda que o restaurante nasceu do fato de seu dono ter o costume de chamar as pessoas para comer na sua casa, dai seu nome Chez Ali (Casa do Ali).

Lá vivenciamos um jantar tipicamente marroquino com belas apresentações de música e danças finalizando com o show equestre Fantasia.

O restaurante e o show são programas obviamente voltados para o turismo, mas com toda certeza valem a pena conhecer.

 

Restaurante Chez Ali com as tendas onde ficam os grupos de músicos e cantores visto da entrada

O local onde fica o Chez Ali é bem amplo, com várias atrações e uma bela arquitetura marroquina. Logo na entrada, somos recepcionados com um corredor formado por homens montados em seus cavalos, uma paixão bérbere. Eles ficam dispostos lado a lado, prontos para tirar fotos com os turistas. É claro que para cada foto deve-se dar a bakshit, ou seja, a gorjeta. Como há vários pontos convidativos para fotos, prepare o bolso para as bakshits.

Um homem bérbere e seu cavalo vestidos a caráter

A medida em que vamos avançando na imensa área, passamos por várias tendas com músicos e dançarinas com roupas típicas. Lá podemos apreciar todo o folclore bérbere, com diferentes grupos se apresentando.

Corredor onde músicos recepcionam os turistas

Continuando andando, chegamos a um pátio aberto onde é possível dar uma volta de camelo. Dá para escolher entre andar em um camelo com uma tenda na parte de cima ou não. Eu optei pelo camelo sem tenda mesmo, para ter melhor visão.

Foi uma das experiências mais incríveis da viagem. Já tinha ouvido relatos de amigas que andaram de camelo e estava bastante curiosa para saber como é. Olhando de fora não dá para ter idéia de como é alto o camelo e a forma como ele se abaixa e levanta com a gente em cima acaba dando um certo susto, pois ficamos com o rosto virado para o chão. Deu susto, mas recomendo, é muito divertido andar de camelo.

Eu andando de camelo no Chez Ali

Continuando nossa caminhada até a tenda principal, vamos passando por mais grupos de músicos diversificados que mostram toda a riqueza da cultura bérbere. São músicas, ritmos, entonações, roupas e gestuais típicos que nos transportam para outra realidade.

Grupo com roupas típicas apresentando músicas folclóricas da cultura bérbere

 O jantar ocorre na tenda principal, lindamente decorada. Nas mesas redondas estão distribuídos o delicioso pão marroquino. Como não podia deixar de ser, o cardápio é composto pelos tradicionais pratos marroquinos cuscuz e tajine. Para a sobremesa foram servidas tijelas repletas de frutas frescas típicas como ameixas e damascos.

Delicioso cuscuz marroquino, um prato mais que típico no país

Enquanto jantamos,  vão aparecendo grupos de músicos ou de dançarinas que passam de mesa em mesa para se apresentar. São músicas e danças animadas que alegram e dão um charme todo especial para o jantar.

Os grupos de mulheres vestidas a caráter, formam um roda em torno da mesa e convidam os turistas a entrarem na roda com elas. Enquanto vão cantando, entoam o característico som árabe: lí-lí-lí-lí-lí-lí.

Uma simpática dançarina bérbere vestida a caráter.
Músicos se apresentando durante a sobremesa

Ao final do jantar, todos se dirigem ao local onde ocorre o show Fantasia. O show consiste principalmente de várias acrobacias dos homens montados em seus cavalos. Eles correm, fazem acrobacias no ar, atiram, há fogos de artifícios, dança, tapete voador e ainda mais. Os músicos, cantores e dançarinas também participam em uma procisão sem fim mostrando o que a cultura bérbere tem a oferecer.

Performance bérbere em meio à corrida de cavalos

As acrobacias são feitas nos cavalos correndo ao redor do pátio onde o show acontece. Os cavaleiros fazem inúmeras acrobacias incluindo irem de pé sobre o cavalo, de cabeça para baixo, pularem de uma lado para o outro, um sobre o outro em cima do mesmo cavalo e por ai vai.

Músicos e cantores se apresentam entre as corridas de cavalos

As apresentações são intercaladas com apresentações de música e dança. Enquanto os homens correm sobre seus cavalos, há um menininho que cavalga sobre um jumentinho e, é claro, recebe muitos aplausos da platéia.

Uma das performances é a simulação de batalha entre duas tribos bérberes

No final há a queima de fogos de artifícios e alguns cavaleiros, incluindo o menino, ficam por perto para tirarem fotos com os turistas e ganharem, como sempre, a bakshit.

Na saída, ainda há um pequeno museu em formato de caverna com peças de vestuário, vasos e joias.

Uma das exposições de vestuário do museu do Chez Ali

Como eu disse no começo, o Chez Ali é um lugar feito para turistas, no entanto, é um passeio que vale a pena ser feito, é uma forma de ter contato com a cultura bérbere, se não é a mais completa, pelo menos é bem divertida.

Marrakech, entre o Bab Agnaou e as Tumbas Saadianas

Após conhecer a medina e a praça Djemaa el Fna durante o dia, demos uma volta seguindo os belos muros de Marrakech até pararmos no portão mais famoso da muralha, o Bab Agnaou.

A caminho do Kasbah, a visão dos muros de Marrakech

Bab Agnaou foi construído pelo sultão Abd al-Mumin em 1150 e é um dos principais acessos ao Kasbah, construído por Yakub al-Mansur. Seu nome significa Portão das Pessoas Negra, uma vez que essa era a porta de entrada usada pelos plebeus, enquanto a aristocracia entrava no Kasbah por outro portão. Ele ainda mantém a arquitetura original. A riqueza e elegância da estrutura e decoração fazem do Bab Agnaou um dos melhores exemplos da arquetetura militar Maghreb.

Bab Agnaou, o imponente portão de entrada para o Kasbah

O Bab Agnaou não é tao trabalhado quanto os portões de Meknès, porém sua arquitetura transmite força e grandeza, com formas quadradas e circulares, formando a característica ferradura de cavalo, vista em quase todas as construções marroquinas.

No alto do imponente portão está uma inscrição dizendo “Entre abençoado pessoa serena“. Em cima, há ninhos de cegonhas que usam sem muita cerimônia a estrutura robusta do Bab Agnaou.

Bab Agnaou serve de base para os enormes ninhos das cegonhas

Passando pelo Bab Agnaou, entra-se no Kasbah e logo se vê do lado direito a Mesquita do Kasbah, conhecida também como el-Mansouria. A mesquita foi construída em 1190 e posteriormente restaurada na dinastia saadiana. Os azulejos verdes que decoram seu belo minarete são da construção original.

Enquanto passava pela mesquita do Kasbah, pude ouvir o chamado para oração e essa foi a vez em que deu para ouvir mais de perto o chamado, mesmo com toda a agitação dentro dos muros do Kasbah. Aproveitei para gravar o melódico chamado.

Mesquita do Kasbah, localizada entre o Bab Agnaou e as Tumbas Saadianas

Continuando o passeio, chegamos às Tumbas Saadianas, localizadas próximo à mesquita. As tumbas, que datam do século XVI, são o mausoléu real onde estão enterrados os membros da dinastia saadiana, que fizeram de Marraquech, a capital do Marrocos durante o período em que governaram, de 1554 a 1669.

A magnífica construção é adornada com mármore italiano e tetos de cedro. Nosso guia brincou dizendo que aquele mármore era feito de açúcar, pois foi trazido em troca da cana de açúcar existente no país.

Interior do primeiro mausoléu das Tumbas Saadianas

Existem dois principais mausoléus formados por várias salas e um jardim externo que os separa. No jardim, ependendo do número de turista, forma-se uma fila para alcançar a porta do segundo mausoléu. O interior das tumbas é maravilhosamente trabalho, com belos detalhes, mostrando todo o cuidado que o marroquino tem em suas construções. As palavras são poucas para descrever a elegância e delicadeza das salas, onde reina o estilo mouro-hispano. É até difícil escolher de onde tirar foto.

Detalhe do interior de uma das salas que formam as Tumbas Saadianas
Arquitetura muito bem trabalhada no interior das tumbas

Sem dúvida, as Tumbas Saadianas é um local que deve ser visitado no Marrocos. Até 1917 elas ficaram esquecidas, porém após serem redescobertas por uma francês e serem restauradas, elas são agora um ponto de grande visitação em Marrakech. As Tumbas Saadianas ficam na Rue de La Kasbah e abrem diariamente das 9:00 as 4:45. O ingresso custa 10 dihans (aproximadamente 1,00 euro).

Marrakech – O que torna a praça Djemaa el Fna tão especial

O que faz a praça Djemaa el Fna (ou Jemaa el Fna) ser tão famosa? Afinal é impossível falar em Marrakech sem mencionar a Djemaa el Fna. Situada dentro da medina, a praça é o símbolo e o coração pulsante da cidade e talvez até mesmo do país.

Durante o dia, apenas um lugar calmo e vazio em Marrakech

Djemaa el Fna quer dizer algo parecido com Assembléia dos Mortos. O nome é devido ao fato de que antigamente era o local para execução de criminosos, porém não há muita certeza histórica sobre a veracidade da analogia.

Durante o dia o local é apenas um espaço aberto por onde circulam pessoas a pé ou em motos e bicicletas. Há também algumas barracas vendendo especiarias, frutas secas e suco de laranja. Porém, mesmo que à primeira vista pareça um local sem atrativos que não faz jus à sua fama, ainda assim é interessante conhecer a praça. Isso porque durante o dia já é possível encontrar encantadores de cobras e outros artistas. Por ter menos movimento nesse horário, fica mais fácil de tirar as tão esperadas fotos dos encantadores e suas cobras.

O encantador e sua flauta tocando sem parar

É um espetáculo único ver o encantador sentado calmamente no chão tocando sua flauta em uma música contínua, sinuosa, hipnótica. Ao seu lado ficam outros homens com pandeiros e outros instrumentos.

No site da Wikipédia há uma explicação sobre o encantamento das serpentes. Na verdade as cobras, incluindo a Naja, a mais comum nesse tipo de apresentação, são surdas aos sons emanados pela flauta, mas conseguem sentir as vibrações do solo. O que seduz a cobra de fato é o movimento da flauta e não sua música. Os encantadores de cobra também podem passar urina de rato na flauta, o que faz com que a cobra procure sua presa natural.

Música contínua, sinuosa e hipnótica

Como é de se esperar, para tirar as fotos é preciso pagar aos encantadores, ou qualquer outro artista que estiver no local. A melhor forma para não se esquentar com isso é combinar o preço antes assim como o número de fotos que deseja tirar. Os performistas podem ficar um pouco agressivos se acharem que não estão pagando o devido valor às fotos. Então o melhor a fazer é combinar o preço e tirar suas fotos sem se deixar apressar por eles. Em geral, pode-se pagar entre 10 a 20 dihans (11 dihans = 1 euro). É lógico que quanto mais fotos, mais dihans devem ser combinados. Como em qualquer negociação no Marrocos, aqui vale a pena pechinchar também.

Os performistas são insistentes para que se tirem fotos e alguns chegam a colocar a cobra no pescoço dos turistas. Então, quem não quiser ter uma cobra enrolada no pescoço na hora da foto é bom deixar bem claro. No meu caso acabei tirando várias fotos com uma cobra aparentemente mansa enrolada em mim, mas devo confessar que sentir aquela pele fria não é lá muito agradável.

Cobras e mais cobras aparentemente hipnotizadas

Também há adestradores de macacos, mas esses me desagradam profundamente, pois acho que o macaco deveria estar solto na floresta e não acorrentado em exposição para atrair a atenção dos turistas. Assim como fazem com as cobras, os adestradores também colocam os macacos nos ombros dos turistas que param para olhar ou mesmo que apenas passam perto de um deles.

Mesmo no caso das cobras é de se pensar que esse espetáculo, por mais exótico e histórico que seja, não deixa de ser exploração dos animais. No final das contas, não dá para ter certeza  se as cobras e macacos não estão expostos a maus tratos. Além disso, por estar fora de seu habitat natural, esses animais podem ter seu tempo de vida reduzido.

A multidão toma conta da Djemaa el Fna após o pôr do sol

Bom, se a praça é calma e vazia durante o dia, ao entardecer ela se transforma totalmente. À noite a Djemma el Fna  torna-se palco de um cenário deslumbrante formado por performistas, acrobatas, contadores de histórias, tatuadores de henna, encantadores de serpente, músicos, adivinhos, inúmeras barracas vendendo comida, vendedores de incensos e ainda mais.

Apesar de turística, a Djemaa el Fna é dos marroquinos e para os marroquinos, independente da classe social, se é homem ou mulher, se é árabe ou bérbere. Ali todos se juntam, todos se divertem e todos formam uma cultura única e rica. Por todo esse jeito excêntrico e curioso de ser, a Djemaa el Fna entrou para a lista de Patrimônio Imaterial e Oral da UNESCO. A praça também ganhou seu espaço no livro 1000 Lugares para Conhecer Antes de Morrer de Patricia Schultz.

Mesas das inúmeras barracas de comida, restaurantes ao ar livre

É difícil explicar ou mesmo descrever a Djemaa el Fna. Palavras parecem não ser adequadas para expressar o que se vê no local, é preciso estar lá para sentir a vida pulsante, a transformação mágica que ocorre após o sol se pôr. Pessoas de todos os tipos, jeitos e pensamentos se misturam e se aglomeram, ficam paradas em volta dos contadores de histórias que gritam e se agitam em uma encenação sem fim, sentam para jantar nas mesas dispostas na frentes das incontáveis barracas que funcionam como restaurante onde os homens trabalham como cozinheiros, atendentes e garçons no meio de couscous, tajines ou cabeças de carneiros, ou simplesmente transitam entre os grupos formados.

A agitada multidão funciona como um antônimo para o nome, a Praça dos Mortos é cheia de vida.

Tajine, um dos pratos mais tradicionais do Marrocos, sendo preparado

É uma experiência tão única, rica e encantadora estar na praça que simplesmente não dá vontade de ir embora. Ali podemos nos perder, seja no meio da multidão, na mistura de performistas ou nos aromas vindo das barracas de comida ou dos vendedores de incenso. Para complementar, basta levantar os olhos e teremos uma bela visão do minarete da mesquita Koutoubia, que parece observar de longe toda aquela confluência de pessoas.

Para quem preferir não se aventurar no meio da multidão, dá para apreciar a agitação dos terraços dos muitos restaurantes existentes em volta da praça, comendo um tajine ou tomando um delicioso e tradicional chá de menta açucarado. Os passeio de charrete (ou caléche) também saem próximos da praça, tanto durante o dia, quanto à noite.

Uma das muitas barracas de comidas dispostas em longas fileiras

Alguns turistas podem ficar apreensivos de permanecerem na praça à noite, eu mesma vi alguns cuja curiosidade parecia brigar com o sentimento de insegurança. Como qualquer lugar turístico com muita aglomeração de pessoas, é bom tomar alguns cuidados e ficar atento. Não há assalto, mas podem existir alguns trombadinhas. Porém, nada que atrapalhe a diversão. A Djemaa el Fna é o coração e a alma de Marrakech, um lugar inesquecível que, com certeza absoluta, merece ser visitada e experimentada em tudo que ela oferece.

Uma mistura de aromas vindo das barracas permeia todos os cantos da Djemaa el Fna

 

Na medina de Marrakech

No primeiro dia em Marrakech, saímos logo cedo em direção à medina, um lugar, sem dúvida alguma, que desejávamos muito conhecer. É na medina que estão muitos dos pontos turísticos da cidade, incluindo a emblemática praça Djemaa El Fna, e é onde sentimos mais de perto o Marrocos em sua essência mais pura, mesmo em uma cidade turística como Marrakech.

A medina de Marrakech é um pouco diferente da que visitamos em Fès, as ruas são mais amplas e, embora também não haja carros, motos podem entrar. Nesse caso, assim como em Fès, tanto para as mulas, ou taxis da medina como eles chamam, quanto para as motos, é necessário sair da frente quando se escuta Balak Balak, que quer dizer atenção em árabe. É um aviso que a moto ou a mula carregada de coisas irá passar.

Mapa da medina de Marrakech

A medina de Marrakech também era menos movimentada que a de Fès, podíamos andar mais tranquilamente, sem precisarmos nos espremer nas paredes a cada Balak Balak que ouvíamos, porém essa diferença também era devida ao fato que visitamos a medina de Fès na véspera do feriado religioso chamado O Sacrifício de Abraão, e toda a população de Fès parecia estar na medina comprando os preparativos para a festa.

Bom, salvo as diferenças e as comparações inevitáveis entre as duas cidades, visitar a medina é sempre um passeio imperdívei e digamos até que necessário. É sempre divertido, um mundo exótico e antigo que se abre para nós assim que atravessamos os portões e muros tão imponentes quanto históricos.

Detalhe da porta de uma das casas da medina

São dois mundos divididos pelos muros: a Ville Nouvelle, a parte nova da cidade com prédios em estilo art-decó e influência francesa e a medina ou cidade antiga, um mundo que parece ter ficado parado no passado.

Ao passar pelos portões nos encontramos no meio de um frenesi de pessoas, sejam turistas, nativos, vendedores ou compradores, além das motos, transitando pelas ruelas. Ali dentro encontramos de tudo, desde dentaduras (arghhh) até tapetes belíssimos, tudo à venda, sempre com um “special prrrice forrrr you my frrriend”. Há souks especializados em tapeçaria, especiarias, objetos de bronze e prata e roupas.

Por todos os lados lojas que convidam a entrar
Tapetes e mais tapetes, o principal desejo de compras dos turistas

Além das lojas dos souks, também há muitas bancas vendendo frutas secas, doces, incensos, suco de laranja, dentre outras coisas. É uma mistura de aromas, cores e gente, formando uma sinfonia de uma cultura única que permaneceu quase imutável ao longo dos anos.

Winston Churchill dizia que se a pessoa tivesse apenas um dia no Marrocos, que passasse esse dia em Marrakech. Complementando a frase, eu diria que se você tiver apenas um dia em Marrakech, passe a maior parte do tempo dentro da medina.

Banca de frutas secas

Um dos pontos altos, mais divertido e também abarrotado de gente é a famosa praça Djemma El Fna, palco de um cenário humano tão incrível que merece ser descrita em um post a parte.

Do lado de fora também é interessante caminhar, para ver os muros que cercam a medina, levantados no século XII. Os tons ocres dão um toque todo especial, formando mesmo um cenário de filme das 1001 noites. A cor característica é devido à tabia, material usado na sua construção que corresponde à terra vermelha da planície, misturada com cal.

Imponente muralha vista do lado de fora da medina

São 19 km de muralha circundando a medina. São necessárias 2 horas de charrete, um modo agradável de se locomover em Marrakech, para percorrer toda a muralha. A visão é de uma beleza ímpar, que nos remete serenidade diante da imponência  dos muros de 9 metros de altura e 2 metros de espessura. Muros que parecem não se afetar pelos anos, pelo vai e vem de turistas ou pela tecnologia.

Se do lado de dentro há um alvoroço de gente, motos e mulas, do lado de fora temos calmaria e uma aparente tranquilidade. Uma visão romântica e exótica, apesar da seriedade e dureza das paredes.

Alvoroço do lado de dentro e serenidade do lado de fora da medina

Marrakech – No palácio da preferida do grão vizir

Após visitarmos a mesquita Koutoubia, fomos até o Palais Bahia (pronuncia Barria), cujo nome significa Palácio da Bela. Esse magnífico palácio fica no bairro judeu Mellah, que até 1936 era o maior bairro judeu do Marrocos.

Átrio na entrada do Palais Bahia repleto de árvores

O palácio foi construído no final do século 19 pelo grão vizir Ba Ahmed para a sua preferida, que era obviamente a Bahia. Lá era a residência da família do grão vizir, composta por 4 esposas, 24 concubinas e incontáveis crianças. Dá para imaginar o ciúme que devia existir no local. Quando perguntei ao guia sobre a existência de ciúme, inveja ou brigas, ele me respondeu “Sim, sim! Molto, molto veneno“. Pelo visto, a Bahia devia ter que tomar muito cuidado com as demais esposas e concubinas do famoso grão vizir.

Provavelmente, já pensando nisso, o layout dos quartos, corredores e portas foi construído de forma a garantir que seu ocupante tivesse privacidade, evitando que houvesse encontros desagradáveis entre os moradores.

Detalhe da pintura do teto da sala principal do primeiro átrio do palácio

A construção é um belo exemplo da arquitetura residencial da época, cobrindo cerca de 8 hectares. Logo que entramos vemos um átrio com um grande jardim repleto de árvores como laranjeiras, coqueiros e até bananeiras e também muitas flores. O átrio é rodeado por vários quartos e salas dispostos lado a lado.

Riqueza de detalhes por todos os cantos
Inscrições em árabe também enfeitam o alto das paredes

Os quartos possuem tetos pintados de forma sofisticada, o que me fez pensar em como foi feito na época, com tantos detalhes e desenhos. Uma vez que a religião muçulmana proíbe a reprodução de formas humanas e animais, os marroquinos se especializaram em pinturas de desenhos geométricos, flores e arabesques resultando em lindas pinturas, ricas em detalhes, formas, combinações e cores.

Algumas paredes são brancas, sem pinturas ou desenhos, contrastanto com a riqueza de cores dos tetos, mas isso era porque na época eram cobertas por cortinas e tapetes.

Em cada quarto, uma pintura diferente e bela
Interior de um dos quartos do Palais Bahia

Continuando a visita, chegamos a outro átrio, ainda maior, também ladeado por mais quartos, todos com belas portas de cedro pintadas com detalhes geométricos ou flores. Por último há um outro jardim, também maior que o primeiro, com mais árvores e flores. Lá era o local de lazer e descanso das esposas e concubinas. Na época em que era habitado, havia também muitos animais nesse jardim. As portas possuem aberturas em forma de circunferência na parte de baixo que servia para os animais de pequeno porte, principalmente os gatos das mulheres, passarem de um local para outro.

Maior átrio do palácio rodeado por fontes e quartos e salas amplos

No total, foram necessários 7 anos para que o Palais Bahia fosse concluído, o que deu origem à divertida expressão marroquina “O Bahia finalmente terminou“, usada em casos onde as negociações demoram muito para finalizarem.

Detalhe da pintura em uma das portas de cedro

Imagino como o palácio deveria ser belo na época do seu esplendor, visto que hoje em dia ainda guarda muito da sua beleza. A Bahia deve ter ficado muito feliz, pois não poderia ter ganho residência melhor.

Sem dúvida, é um local que merece ser visitado. O Palais Bahia é aberto diariamente entre 8:45 e 11:45 e das 14:45 as 17:45, com exceção de sexta que reabre mais tarde na parte da tarde, às 15:00. O ingresso custa 10 dihans, aproximadamente 1,00 euro.

A mesquita Koutoubia, símbolo de Marrakech

O primeiro lugar que visitamos no dia seguinte a nossa chegada em Marrakech foi a mesquita Koutoubia, localizada na avenida Mohammed V, próximo à praça Djemaa el Fna, o coração da medina. Eu particularmente estava muito ansiosa para visitá-la, pois havia lido vários relatos sobre sua beleza e imponência únicas. A visita é apenas do lado de fora, já que a entrada é proibida para não muçulmanos.

O minarete da Koutoubia domina a paisagem na avenida Mohammed V

o nome Koutoubia significa escritores. Uma das explicações para a mesquita ter esse nome era porque lá era o local onde se escreviam os livros. Outra explicação é que antigamente havia um mercado de livros nas proximidades.

A mesquita é considerada pelos marroquinos como tendo o minarete mais belo de todo o norte da África. Ela foi construída pelo sultão Yacoub Al Mansour, cujo desejo era construir 7 mesquitas para entrar no céu e ser recebido por 14 virgens. Sua construção teve seu início em 1150, terminando somente 40 anos depois.

O monumento é um típico exemplo da arte moura no país. Sua arquitetura serviu de modelo para outras duas mesquitas, a de Servilla, conhecida como Giralda, e a não terminada Hassan, a mesquita que rendeu boas histórias para os marroquinos em Rabat, mas não o paraíso para o sultão megalomaníaco, que morreu antes de finalizar a sétima mesquita.

 

A mesquita é rodeada por um belo jardim

Seu desenho é de uma beleza simples porém sofisticada, com formas detalhadas e proporcionais, daí sua fama de ser um dos monumentos mais bonitos da região do Maghreb (norte da África). Seu minarete possui 77 metros de altura com paredes de 13 metros de largura. Ele pode ser visto em um raio de até 25 kilômetros. Isso é favorecido também pela tradição marroquina de que nenhuma construção pode ser mais alta do que o minarete das mesquitas, pois seria arrogância construir uma casa ou prédio mais altos do que qualquer edifício, nesse caso as mesquitas, dedicado à Deus.

Outras construções e casas também foram influenciadas pela arquitetura da Koutoubia. A larga faixa vista na parte superior formada por cerâmica, as ameias pontiagudas no parapeito, a decoração diferente em cada lado da torre, os pequenos arcos e vários outros motivos decorativos florais, arabesques ou de caligrafias em relevo, podem ser visto em muitos edifícios espalhados por todo o Marrocos.

Detalhes do alto do minarete, com as faces que diferem entre si

No alto do minarete há três grandes esferas de cobre de tamanhos decrescente, um quesito tradicional nas mesquitas do país. A maior delas, que fica abaixo de todas, possui um diâmetro de dois metros. Normalmente são apenas três, porém, como tudo no Marrocos tem uma história, a Koutoubia não poderia ficar de fora. Diz a lenda local que a quarta esfera existente no alto foi um presente da esposa do sultão Yacoub el Mansour, como penitência por quebrar o jejum de três horas durante o Ramadã.

Visão da lateral e fundos da mesquita

A Koutoubia é rodeada por um belo jardim, um lugar ideal para uma parada de descanso onde podemos admirar com uma certa tranquilidade a beleza da arquitetura da mesquita. Digo com certa tranquilidade pois com toda certeza aparecerão vendedores de artesanatos e outras coisas procurando por turistas. No nosso caso, um insistente vendedor de roupas apareceu enquanto fotografávamos a frente da mesquita.

Lateral direita da mesquita vista do jardim

Pela sua beleza, história e símbolo de religiosidade do país, a Koutoubia domina a paisagem no horizonte de Marrakech. Além de ser tida como uma casa de espiritualidade para os marroquinos, a mesquita também é um must to see para turistas de todo o mundo. Não é à toa que alguns livros comparam sua importância turística para Marrakech sendo tão grande como a da Torre Eiffel para Paris.

Marrakech, um sonho das mil e uma noites

Marrakech foi a última cidade que visitei no Marrocos, ela é uma das quatro cidades imperiais, ao lado de Rabat, Meknès e Fès. Chegamos em Marrakech ao entardecer, o que nos favoreceu com uma bela vista composta por tons rosas e ocres tanto no céu ao pôr do sol quanto nas muralhas e casas. Um espetáculo que já anunciava o encantamento da cidade, estar em Marrakech era verdadeiramente um sonho.

Chegada em Marrakech ao entardecer

Assim como as demais cidades, Marrakech também tem uma cor característica, que é obviamente o vermelho, facilmente visto em suas construções e muralhas. A cor é devida à  argila vermelha extraída da terra e das montanhas para a fabricação dos tijolos.

Os muros de Marrakech, a Cidade Vermelha
Uma cegonha fez seu ninho no portão mais famoso da muralha da medina de Marrakech, o Bab Agnaou

Marrakech passou por 5 dinastias. A cidade, fundada em 1070, foi capital do Marrocos durante as dinastias almorávida e almoáda, porém foi abandonada durante a dinastia dos merenidas. Os saadianos devolveram o mérito à Marrakech, entretanto os alaouítas preferiram desenvolver as outras cidades imperiais como capitais do reino e assim, novamente Marrakech foi preterida, para dar lugar para as demais cidades imperiais.

Por todos os lados há as construções com tons de rosa dando charme e característica única para Marrakech

Durante o seu auge, Marrakech foi capital do império que se extendia desde o Saara até o Ebro e do Atlântico ao Algiers. Hoje em dia, parece haver alguma rivalidade entre Fès e Marrakech, no que diz respeito ao  patrimônio cultural e religioso de ambas cidades.

Porém, Marrakech mantém sua importância pela localização geográfica favorecida, é a porta de entrada para o deserto do Saara ao mesmo tempo em que está perto do oceano Atlântico. Junte-se a isso o fato de ser altamente turística, sem no entanto, perder suas características que a fazem ser tão única.

Um homem caminha na medina com a roupa típica de inverno, a jelaba
Visão de uma das ruelas da medina de Marrakech

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A importância de Marrakech se reflete até mesmo no nome do país, afinal Marrocos deriva de Marrakech, enquanto que seu próprio nome provavelmente deriva da palavra bérbere Mur-Akush que significa Terra de Deus.

A cidade conhecida como Pérola do Sul, Cidade Vermelha ou Porta do Sul se divide em dois distritos constratantes, a medina, fundada pelos almorávidas aproximadamente 1000 anos atrás e a Ville Nouvelle, fundada pelos franceses no início do século 20, com arquitetura mais moderna, sempre lembrando o estilo art-decó.

Tranquilidade em um boulevard da cidade mais turística do Marrocos

Marrakech é a verdadeira capital turística do Marrocos, um oásis em tons ocre pronto para receber qualquer viajante. Entrar na cidade passando pela avenida ladeada por incontáveis palmeiras já foi um prenúncio do que estaria por vir. A ansiedade aumentava ainda mais vendo tantas palmeiras em um lindo pôr do sol rosa e azulado.

É praticamente impossível se referir à cidade sem usar os adjetivos exótica e mágica, afinal, Marrakech é diferente de tudo o que eu já tinha visto. É única em seu jeito de ser, é onde fica mais clara a mistura marroquina árabe e africana com pitadas de influência européia.

Encantador de cobras na enigmática praça Djemaa El Fna

A cidade vibra, encanta, provoca com seus enigmas e atrai turistas do mundo todo, curiosos para desvendar seus mistérios. É uma jóia encravada no coração do Marrocos e ponto de partida para o deserto do Saara.

Marrakech como um todo, seja dentro da medina ou na Ville Nouvelle, parece um cenário de filme. É como voltar no tempo e fazer parte de alguma cena daqueles filmes com cenários exóticos, aparentemente fictícios, aqueles que parecem existir somente na nossa imaginação ou em algum lugar perdido no passado.

Andando por suas ruas, medina, boulevard ou jardins, vem um pensamento à cabeça, é mágico, é belo, é um sonho das 1001 noites, é Marrakech!!

Cantores no restaurante do bairro judeu Mellah

São vários os lugares para conhecer na cidade, incluindo a medina e suas atrações imperdíveis como o magnífico Palace Bahia, a famosa mesquita Koutoubia e a inexplicável praça Djemaa El Fna com suas duas faces contrastantes: dia e noite, as belas tumbas saadianas, os jardins Menara e Majorelle, a noite mágica no restaurante Chez Ali com a apresentação de cavalos bérberes, dentre outros.

Pode-se locomover na cidade por taxi ou charrete. O passeio nas charretes, ou caleches, podem ser comprados na praça Djemaa El Fna ou até mesmo nos boulevards e avenidas da cidade. O preço obviamente tem que  ser combinado e barganhado, como tudo no Marrocos. Quanto aos taxis, já falei deles nesse post de Casablanca, mas vale a pena lembrar que estes devem ter taxímetro preferencialmente, pois o preço combinado com certeza sairá mais caro.

Nosso "solícito" taxicista que nos levou ao Jardin Majorelle

Nós pegamos um taxi no último dia para ir até o Jardin Majorelle. Foi bem tranquilo, porém no meio do caminho o taxista parou em frente a um comércio e disse calmamente que poderíamos fazer nossas compras lá enquanto ele esperava. Nesse caso, tem que deixar claro que o objetivo é outro. Embora ele afirmasse que o Jardin Majorelle ainda estava fechado (o que descobrimos mais tarde que não era verdade), nós agradecemos a oferta, mas fomos claros em dizer que nosso interesse era conhecer o jardim e não fazer compras naquele momento.

Apresentação de música típica bérbere no Chez Ali

Marrakech não encanta somente a turistas, mochileiros e viajantes comuns. Famosos como Winston Churchill e Yves Saint Laurent não apenas declaram sua preferência pela cidade como, no caso de Yves Saint Laurent, até se mudaram para lá. Mr Churchill dizia “Se você tem só dia para passar no Marrocos, passe-o em Marrakech“. Bem, sem dúvida, ele estava certo, apesar que eu adicionaria Fès e sua inesquecível medina para competir por esse único dia.

Andar de charrete, ou caleche, é uma forma divertida e romântica de conhecer Marrakech

Na dúvida fique com as duas cidades, melhor ainda, fique com todo o Marrocos e suas mesquitas, medinas, palácios, mausoléus, artesanatos e paisagens deslumbrantes.

Para saber mais:

Madein-marrakech
Marrakech.net
Visit Morocco

 

Cidades, lagos e montanhas entre Fès e Marrakech

No caminho de Fès até Marrakech, passamos por várias cidades e povoados que merecem ser mencionados aqui, além, é claro, da bela paisagem. A primeira cidade por que passamos foi Ifrane, que fica a cerca de uma hora de Fès. Lá fizemos uma breve parada para tirar algumas fotos. Ifrane é mais conhecida por ser a cidade do esqui. É o local para viajar nos feriados e férias dos marroquinos. As muitas casas existentes por lá não são em geral habitadas, são somente para o período das férias, seja para esquiar ou durante o verão. As famílias proprietárias são de Casablanca, Agadir, Tânger ou de países da Europa.

Ruas amplas e limpas em Ifrane, a cidade do esqui

Ifrane é chamada no Marrocos como a Suiça Marroquina por causa do esporte, do clima mais frio, dos jardins e chalés de telhados vermelhos. A cidade fica a 1650 metros de altitude, durante o inverno fica toda coberta de neve, o que atrai muitos turistas para a estação de esqui Michliffen.

Seu nome significa caverna, local onde as tribos bérberes habitavam. A cidade foi criada em 1929, pelo protetorado francês. Sua fama fez com que a cidade merecesse ser local para a construção de mais um palácio real, com telhados verdes, conforme a tradição manda.

A cidade é conhecida como a Suiça Marroquina

Mas nem só de inverno vive Ifrane, a cidade se tornou destino turístico também no verão, uma vez que habitantes de cidades próximas como Fès, Meknès e El Hajeb viajam para lá com o objetivo de escaparem do forte calor nos meses de julho e agosto. O local é sem dúvida muito charmoso e agradável, além de aparentar ser muito tranquilo também.

Leão  de pedra em Ifrane, um dos símbolos da cidade

Continuando, viajamos por muito tempo vendo a paisagem coberta pelas forestas de lindos cedros. Essas imponentes árvores podem chegar a 30-40 metros de altura. Essa é a região do Médio Atlas, onde o melhor fica mesmo por conta da paisagem fomada pelos cedros e as montanhas ao fundo, atrás delas está o deserto do Saara.

A proxima cidade por que passamos foi Azrou, onde curiosamente há uma coroa de ferro em cima de uma rocha. Azrou é mais uma cidade formada por bérberes e foi a primeira cidade real do Médio Atlas.

Os bérberes são os verdadeiros nativos do Marrocos. Eles já habitavam a região antes da invasão árabe. Devido às diferenças culturais e ao fato da dominação de um povo sobre o outro, árabes e bérberes não são o que podemos chamar de amigos. Conforme um bérbere me disse, os árabes acham que os bérberes são um povo de segunda categoria, mas os bérberes acham que os árabes são de quinta categoria… Por ai se vê a animosidade entre os dois povos que cohabitam no mesmo país.

Coroa no alto das rochas na cidade bérbere Azrou

De volta à estrada, tivemos uma bela surpresa ao chegarmos no lago El Hansali. Uma parada obrigatória para apreciar a paisagem formada pelo grande lago e as montanhas em volta. Um bom lugar para descansar, esticar as pernas e aproveitar para tirar belas fotos.

Lago El Hansali, parada obrigatória para apreciar a bela paisagem

Outras pequenas cidades que atravessamos foram Kenifra e Alkhala, essa última conhecida pelas minas de fosfato, um importante produto da economia do Marrocos, e pela raça de ovelhas que produzem leite. Já Kenifra é famosa por seus cavalos, uma paixão dos povos bérberes, e também pela beleza das mulheres bérberes, cujo principal atrativo são os olhos grandes.

É nítido o orgulho com que os bérberes falam de suas mulheres, tidas por eles como belas e trabalhadoras. São mulheres que se casam cedo, por volta dos 16 anos. Durante a vida de casada, elas dão à luz muitos filhos. Para a família bérbere, quanto mais filhos, melhor, pois os filhos podem ajudar a família no trabalho diário, seja em casa ou no deserto. Além disso, os filhos dão continuidade ao nome das famílias e ajudam a construir seus patrimônios.

Os bérberes também fazem questão de mencionar a beleza dos homens do deserto, conhecidos como tuaregues, homens que se vestem em geral de azul e preto e pintam uma faixa preta abaixo dos olhos para protegê-los dos fortes raios do sol no deserto. Os tuaregues são tidos como os homens mais bonitos do Marrocos, são morenos, altos, magros e de olhos grandes, sinal de beleza tanto para os povos árabes quanto os  bérberes. Esses homens são nômades do deserto e costumam criar muitos cavalos.

As montanhas Atlas acompanharam a paisagem o tempo todo do trajeto

Foi muito interessante passar por estas cidades e vilarejos menores, mas nem por isso desinteressantes. Lá pudemos ter um pouco mais de contato com os povos bérberes e seus costumes. Pena que não deu tempo para conhecer o deserto, mas com certeza, no futuro iremos incluir essa parte quando retornarmos ao Marrocos.

Além das cidades, a paisagem foi algo que, por si só, valeu a viagem. As montanhas Atlas dominaram o cenário com sua imponência e beleza. Uma visão que nenhuma foto consegue reproduzir, independente da quantidade de megapixels ou qualidade da lente.

Ao final do dia, chegamos à tão sonhada Marrakech, mas isso é assunto para os próximos posts.

No caminho de Fès a Marrakech, vivenciando a festa religiosa no Marrocos

No último dia em Fès, arrumamos nossa bagagem e saímos cedinho rumo à tão esperada Marrakech. Esse era um dia muito especial no Marrocos, e acredito que em todos os países muçulmanos também, afinal era a festa religiosa conhecida como O Sacrifício de Abraão ou a Festa do Cordeiro, fazendo referência à passagem bílbica onde Deus pede para Abraão sacrificar seu filho em honra a Ele, porém, na hora do sacrifício, um anjo é enviado e entrega a Abraão um cordeiro para ser sacrificado no lugar de seu filho Isaque (Gênesis, 22:1-19).

Desde nosso primeiro dia no Marrocos, em Casablanca, que víamos pessoas carregando cordeiros em carros, camionetes, carrinhos de mão e até mesmo nos próprios ombros. A mesma cena se repetia várias e várias vezes em Rabat, Meknès e Fès. Isso obviamente despertou minha curiosidade e foi então que descobri, que toda aquela movimentação era na verdade os preparativos para a festa religiosa, assim como as compras de Natal para nós.

Nas ruas de Casablanca, o comércio de cordeiros por todos os lados

A medida em que se aproxima a data, o comércio de cordeiros fica ainda mais intenso. A movimentação dentro da medina aumenta ainda mais, com pessoas agitadas comprando todos os preparativos para a grande festa.

No dia em si, as pessoas parecem mais calmas, mais tranquilas, mais centradas na festividade. Logo cedo, elas tomam um café da manhã bem especial e vão para as mesquitas participarem do culto. Os homens se dão quatro beijos para desejar boas festas. As crianças ganham roupas e sapatos novos, doces, presentes e dinheiro. Nesse ponto, a festa religiosa é parecida com o Natal com relação à importância da data e à troca de presentes. No entanto, as similaridades param por ai.

Em Casablanca víamos várias camionetes carregando cordeiros para diversas famílias

Quando as pessoas voltam da celebração na mesquita, elas dão início ao sacrifício do cordeiro e ai entra a parte que, para nós ocidentais, é difícil de compreender. As famílias vão então para a frente de suas casas e lá sacrificam o animal. Depois disso o penduram de cabeça para baixo para que todo o sangue escorra. O significado da festa está justamente no sacrifício do cordeiro, por isso não se pode apenas comprar a carne, deve-se comprar o cordeiro vivo e sacrificá-lo na frente da casa. Isso para reviver o sacrifício de Abraão, patriarca de todos os muçulmanos, que iria ceder seu filho a Deus. Sendo assim, as pessoas fazem esse ritual para atrair as bençãos de Deus para sua família e descendentes, uma vez que eles próprios são descendentes de Abraão. Assim, eles mantém vivo o compromisso de Abraão e sua descendência para com Deus.

Eu, particularmente, apesar de respeitar a fé e crença de cada um e de entender o forte significado religioso, não me senti bem com a questão do sacrifício. Quem me conhece, sabe como sou apegada a bichos e por isso decidi não olhar para nenhuma casa onde estivesse acontecendo o sacrifício. Essa atitude me rendeu muitas horas de viagem sem olhar para a estrada, pois por todos os lados haviam famílias comemorando a data.

Um rapaz leva seu cordeiro em um carrinho de mão em Meknès

Mesmo para eles é difícil encarar o ato de matar o cordeiro, principalmente para as crianças. Esse é o motivo pelo qual elas recebem mimos como presentes e doces, afinal os pequenos se apegam ao cordeiro nos dias em que precedem a comemoração e acabam sofrendo quando ele é morto. Alguns adultos também ficam sentidos. Nosso guia me contou que ele ainda lembra de quando era criança e via o cordeiro sendo morto. Ele também mencionou que, mesmo agora sendo adulto, não tem coragem para sacrificar o cordeiro. Quando isso ocorre,  um vizinho é chamado para executar a tarefa. Isso não deixa de ser um bonito ato de solidariedade, esquecendo de que se trata do ato de matar um bicho.

Outro ato de solidariedade religiosa é o fato de que famílias ricas costumam comprar dois 2 cordeiros, um para elas e outro para doarem a uma família pobre que não tem condições de adquirirem um. Dessa forma ninguém fica sem comemorar o dia religioso.

A mesma cena se repete nas ruelas da medina de Fès

No dia da festa mesmo não se come a carne, só no dia seguinte. Esse também é um dos motivos pelo qual o café da manhã é bem reforçado. No dia festivo, apenas o sangue é derramado lembrando o ato de Abraão, nos demais dias que se come a carne e depois aproveita até mesmo o couro do carneiro.

A Festa do Cordeiro não tem data fixa para ocorrer, assim como nossa Páscoa. Ela corresponde  ao final do ano muçulmano. Nesse caso, o  ano que começava para eles era o 1432, enquanto que para nós era novembro de 2010. O ano 1 islâmico corresponde ao nosso ano 622. Na verdade, eles seguem o calendário lunar, ao contrário de nós que seguimos o calendário solar ou gregoriano. No Islam, o ano começa com a fuga de Maomé de Meca para Medina (Hegira). O calendário possui 12 meses como o nosso, porém são mais curtos, com 30 ou 29 dias, o que dá 355 ou 354 dias, 11 dias a menos que o calendário gregoriano.

De um jeito....
....Ou de outro, o cordeiro vai para casa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Vivenciar essa festa religiosa foi bom pelo fato de poder conhecer mais da cultura e fé do marroquino, porém para ser sincera foi um momento bem difícil para mim, por amar aos bichos (embora eu coma carne) e também pelo forte sentido religioso, envolvendo filhos e sacrifício. Mas de tudo, ou quase tudo, tiramos uma boa experiência e lição de vida.

À tarde, as casas, ruas e estradas ficaram silenciosas e aparentemente vazias. No final do dia, somente as viúvas dos carneiros permaneciam nos campos.

Ao final do dia, somente as viúvas dos cordeiros restam nos pastos na beira da estrada

 

 

 

Tannerie Chouwara, o famoso curtume de Fès

Um dos lugares que eu mais queria conhecer na medina de Fès era o curtume ou tannerie, como é chamado no Marrocos. Após visitar alguns lugares na medina, fomos até o souk dos artigos de couro e visitamos a Tannerie Chouwara. É fácil saber que estamos nos aproximando do local devido ao forte cheiro que emana da tannerie.

Poços para preparo e tingimento na Tannerie Chouwara

Todo o processo de preparo e tingimento do couro é melhor visualizado dos terraços das lojas de produtos de couro. Sendo assim, quando chegamos no souk, subimos por uma escada estreita de uma das lojas até seu terraço, onde um guia-vendedor nos esperava para explicar como funcionava toda aquela visão exótica que culminaria com a fabricação de belas roupas e acessórios de couro.

Para facilitar a vida e o olfato dos visitantes, são distribuídos ramos de hortelã logo na entrada, dessa forma dá para disfarçar todo o forte odor existente no local, uma mistura formada pelas peles dos animais abatidos, corantes e amoníaco.

Sem o raminho de hortelã não dá para encarar a Tannerie

O couro marroquino é feito com peles de cabra, de  vaca ou de ovelha, tingidas do lado do pêlo, com um formato irregular e granulado, de toque agradável e altamente resistente.

O artesanato usando peças de couro, assim como as cerâmicas feitas na olaria de Fès, faz parte de uma tradição ancestral, sendo um dos responsáveis pela riqueza cultural da cidade. Foi no reinado do amoádas no século XII que o tingimento do couro se tornou uma profissão, cujo conhecimentos são passados de geração em geração.

Os curtumes existem principalmente nas regiões de Fès e Marrakech, sendo que o de Fès é o mais famoso e mais importante do país.

Peles de vaca, carneiro e cabra chegam do abatedouro e são tratadas em diferentes tanques. Dá para ver várias pilhas de peles amontoadas umas sobre as outras à espera de serem tratadas.

Primeiramente elas são esfregadas manualmente com sal  em ambos os lados e secas ao sol. O sal é aplicado vigorosamente com as mãos para melhor penetração deste na pele e então, os pêlos são removidos. Esse processo dura em torno de 3 a 4 dias.

Após, elas são lavadas para retirar as impurezas. A duração aqui também varia de acordo com a estação do ano, sendo mais demorada no inverno e mais curta no verão.

As peles são mergulhadas em poços contendo fezes de pombo para tratamento e tingimento

A seguir, as peles são mergulhadas em cal, enxaguadas em água e pisoteadas antes de serem mergulhadas novamente em fezes de pombo (arghhh!) por vários dias antes de serem secas.

A proximidade de fontes de água é um fator importante para o curtume, pois ela é essencial para a fabricação das misturas e também para o descarte dos resíduos provenientes do tratamento. Difícil é imaginar que o despejo desses resíduos ocorra de forma amigável ao meio ambiente…

 

Em cada poço uma mistura de corantes de diferentes origens

Durante o preparo das peles são usados vários ingredientes, a cor branca do couro provém das fezes de pombo, a amarela do açafrão, vermelho da papoula, verde da hortelã, azul do índigo, preto do kajal e marrom de uma mistura feita com terra.  No caso do açafrão, as peles não são mergulhadas, devido ao alto custo dessa especiaria, as flores são esfregadas nas peles até obter o tom amarelo desejado.

As etapas e duração do processo de curtimento vão depender do tipo de pele, se é proveniente de cabra, ovelha ou vaca. A pele que exige uma preparação mais cuidadosa é a de cabra.

Tingimento do couro nos poços com misturas de corantes

Para o perfeito tingimento das peças são necessárias de 3 a 4 horas de imersão. Os trabalhadores do curtume mergulham as peças constantemente nos poços com as misturas coloridas, passando por vários estágios de lavagem e imersão. O tempo de imersão em casa poço varia de acordo com a mistura existente. No caso das fezes de pombo são de 4 a 8 dias. Para outras cores pode ser de até 15 dias.

Trabalho árduo sem nenhum equipamento de proteção, essa é a rotina da Tannerie

Observar a rotina do curtume do alto do terraço da loja é uma experiência no mínimo interessante. É uma visão exótica, bela, triste e grotesca ao mesmo tempo.

Enquanto via aqueles homens trabalhando quase em uma coreografia sem fim naquela colméia gigante formada pelos poços coloridos, mergulhando e pisoteando as peles, imaginava que modo difícil de ganhar a vida. Todos os dias trabalhando em condições insalubres, sem qualquer equipamento de proteção e mesmo assim, de uma maneira irônica ou cultural, servindo de atração turística para olhos curiosos dos viajantes.

Uma colméia formada por poços de tratamento e tingimento

Sem dúvida, por toda a peculiaridade que é o curtume de Fès, vale a pena a visita, mesmo que o odor possa ser um pouco forte para estômagos mais sensíveis. Afinal, assim, de uma forma bem tradicional e artesanal são feitas belas peças de couro.

Peles expostas para secarem após tingimento com açafrão

É claro que após a visita ao terraço para ver a tannerie, somos abordados pelos vendedores da loja, oferencendo seus produtos tudo com “special prrrice for you, my frrriend“. Em cada andar estão expostas bolsas, babouches, roupas dos mais variados modelos e cores. O difícil é sair da loja sem comprar algo.

Tradicionais bolsas e babuches nas mais diversas cores

O que há para ver na medina de Fès

Em Fès el-Bali (cidade antiga) é onde estão a maioria dos pontos turísticos de Fès. Só para se ter uma idéia, são 10.572 construções de interesse histórico, incluindo 185 mesquitas, numerosas medersas (universidades corânicas), vários palácios, o interessante curtume, além de restaurantes típicos e souks para comércio de tapetes, couro, especiarias, metais, etc.

Por tudo isso, Fès el-Bali entrou em 1981 na lista de patrimônios protegidos pela UNESCO, que atualmente promove a restauração de várias contruções e também da muralha ao redor da medina. Bom, simplesmente estar na medina já vale a pena, pelo fato de ser o lugar onde se vê o cotidiano puro do marroquino, sem a interferência da colonização européia, mas visitar os pontos turísticos existentes ali dentro é melhor ainda. Com certeza, estando em Fès, a medina medieval é o lugar onde se deseja passar a maior parte do tempo.

Nosso dia de exploração da medina começou passando pelo portão Bab Ftouh, um dos principais portões de acesso. Seu nome é devido ao príncipe Zenet, conhecido como Ftouh, que restaurou o portão até então chamado Bab Al-Qibla, dando seu nome a ele. Mesmo sendo famoso, ele não é um dos mais bonitos, na minha opinião. Seu desenho é robusto, quadrado e com linhas retas. No entanto, apesar da sua aparente simplicidade, não resta dúvida de que o portão seja realmente imponente devido ao tamanho e força de seu desenho.

O Bab Ftouh é um dos 4 principais portões de acesso para Fès el-Bali, juntamente com os portões Bab Boujeloud, Bab er R’cif e Bab Guissa. Esses portões servem como referência para caso alguém se perca no labirinto formado pelas ruelas da medina. Por trás desses portões há muito mais do que podemos imaginar ou esperar. Há um lugar onde a modernidade, máquinas, tecnologia e outros aspectos da vida moderna ainda não dominaram o cenário.

Linhas simples porém fortes do Bab Ftouh, um dos principais portões de acesso para a medina

Porém, não foi pelo Bab Ftouh que entramos na medina na nossa visita durante o dia, e sim pelo Bab er R’cif, um portão mais centralizado e melhor localizado. O Bab er R’cif possui um desenho mais trabalhado, sendo formado por um arco maior central ladeado por dois arcos menores. Em frente, há uma praça com várias pessoas transitando, assim como muitos ônibus de turismo, já anunciando a grande movimentação dentro da medina.

No local há vários guias oferencendo seus serviços. É mais seguro escolher os guias oficiais para acompanhar na visita à medina. No entanto, se optar por escolher um guia, é melhor deixar bem claro para ele se deseja ou não fazer compras, caso contrário ele levará somente para conhecer as lojas para turistas.

Bab er R’cif visto do terraço de uma loja de tapetes

O primeiro lugar que visitamos, após muito andarmos pelas ruas cheios de curiosidade, foi a Place Seffarine, um lugar aberto, em contraste com as ruelas onde pessoas e animais se espremem para conseguirem se locomover. Essa é a região do Souk das lojas de objetos de cobre e prata. Esclarecendo melhor, todo o comécio na medina está divido em souks de acordo com o tipo de artesanato ou produto vendido, então existem os souks para compras de tapetes, couro, henna, especiarias, etc.

Nesta praça se concentram os responsáveis por uma das profissões mais antiga de Fès, os artesãos que fabricam vasos, bandejas, candelabros, lustres, caldeirões e outros utensílios de ferro, cobre e prata.  São objetos que enchem a vista, sendo muito procurados para casamentos e festivais pelos nativos, além dos turistas ávidos por compras, obviamente.

Objetos de cobre, prata e ferro fabricados e vendidos na Place Seffarine

A Place Seffarine é a principal porta de entrada para a Biblioteca Kairaouine, que abriga mais de 32.000 manuscritos, incluindo textos sobre islamismo, matemática e ciência.

Escadaria da Biblioteca Kairaouine, que faz parte da universidade mais antiga do mundo árabe

A biblioteca faz parte do complexo formado pela universidade mesquita construída em 857 e tida como a mais antiga do mundo árabe. A fundação da universidade marca o início da Idade de Ouro de Fès.

A partir dessa época, houve um aumento das construções de mesquitas e foundouks na cidade, além de residências de luxo (algumas transformadas em belas lojas hoje em dia) e medersas (universidades).

Com isso, Fès acabou por se tornar a capital de um vasto império com comerciantes, artistas, estudiosos e estudantes de todo o mundo árabe reunindo-se em seus portões. Sua influência cultural e espiritual foi tamanha que a cidade chegou a ser referida como a “Atenas de África”.

Durante muitos séculos, a universidade Kairaouine foi a única fonte de estudo do Marrocos, daí a fama intelectual que permeia até hoje a cidade de Fès, motivo de orgulho para seus habitantes.

Não muçulmanos podem entrar e tirar foto na bela escadaria azul, mas não podem passar desse ponto.

A mesquita Kairaouine foi fundada pela filha do sultão Fatima el Fihria. Seu nome se origina da cidade de Kairouan, na Tunísia, cujos imigrantes costumavam viver nas proximidades. Ela faz parte de um dos importantes locais para ensino do islamismo e é considerada pelos marroquinos como o santuário dos santuários para oração e meditação.

 

Minarete da mesquita Kairaouine visto do terraço de uma loja de tapetes

É a única construção almorávida ainda em uso. Mais tarde, as dinastias almoáda, merenida, saadiana e alaoíta deixaram suas características no prédio. Sua forma atual foi conseguida no ano de 1135 pelo sultão almorávida Ali ibn-Yusuf. No início o local era pequeno, porém, posteriormente recebeu várias restaurações. Uma delas feita por artistas andaluzes que realçaram a arte moura-hispano, com portas e arcos feitos com cedro. A mesquita agora se extende por uma grande área dentro da medina e possui 14 entradas, com capacidade para até 20.000 pessoas.

Como é de esperar, é proibida a entrada de não mulçumanos, mas, se as portas estiverem abertas, podemos apreciar uma parte de seu interior do lado de fora das portas de cedro. Dessa forma dá para ter uma idéia do tamanho que a mesquita ocupa. Até a construção da mesquita Hassan II em Casablanca, a Kairaouine era a maior mesquita do Marrocos. O desenho interior da mesquita é similar à existente em Córdoba, com um pátio aberto e uma grande fonte no centro.

Interior da mesquita Kairaouine
Porta e arco trabalhados no interior da mesquita

 

 

Saindo da Place Seffarine, fomos caminhando até chegar no Fondouk Tetouani. Fondouks eram centros mercantis utilizados como casas de comércio, hotéis e armazéns. No geral, eles estão localizados ao longo das principais vias da Medina (Talaa el Kibira, Talaa Sghira, Ras Cherratine e Nejjarine) e próximos aos portões principais.

O Fondouk Tetouani foi fundado no século 14 por comerciantes vindos da cidade bérbere Tétouan, localizada no nordeste do Marrocos, daí seu nome. Originalmente o local servia como hotel para os comerciantes em viagem. Hoje em dia, a construção merenida é um lugar para vendas de tapetes. Pode-se entrar no fondouk sem a obrigação de comprar algum tapete, pois há um pátio central próprio para visitação.

Tapetes expostos nas sacadas do Fondouk Tetouani
Detalhe da fechadura da porta de entrada para o Fondouk Tetouani

Saindo do Foundouk Tetouani, vimos outra mesquita conhecida como Sidi Ahmed Tijani. Essa mesquita é dedicada aos peregrinos vindos do oeste africano em direção à Meca, a cidade sagrada para o Islamismo. A mesquita do século 18 contém a tumba de Sufi Shaykh, fundador da ordem Tijani.

A mesquita é facilmente reconhecida pelo belo minarete decorado com azulejos verdes e a porta no canto com desenhos pintados em tons vermelhos. Assim como as demais mesquitas da medina, a entrada é proibida para não muçulmanos.

Entrada para a mesquita Sidi Ahmed Tijani
Minarete decorado com grande quantidade de azulejos verdes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Seguindo nossa visita à medina, chegamos em um dos lugares mais sagrados para os habitantes de Fès, a Zaouia Moulay Idriss II, localizada no coração da medina. Zaouia é uma mesquita construída ao redor da tumba de um santo do Islamismo, chamado de marabout. Nesse caso, a zaouia abriga o túmulo de Moulay Idriss II, fundador da cidade de Fès. Foi originalmente construída no século 6 em honra ao fundador da cidade e mais tarde restaurada pelos merenidas no século 13.

Barra de madeira indicando o limite para a passagem de não muçulmanos.

Ao lado das mesquitas Kairaouine e Koutoubia (em Marrakech), a zaouia Moulay Idriss II é uma das mais importantes mesquitas construídas. A zaouia possui uma grande barra de madeira entalhada que sinalizava o lugar onde cristãos e judeus não podiam mais passar. Os muçulmanos que passavam desse ponto podiam pedir asilo, caso estivessem fugindo da polícia, pois era proibido fazer qualquer prisão na área considerada sagrada.

Pátio interno da Zaouia Moulay Idriss II visto do lado de fora

Como o esperado, é proibida a entrada de não muçulmanos, mas é possível observar seu interior do lado de fora e os belos trabalhos em zellij (azulejos) que existem no local. Também é possível avistar o túmulo de Moulay Idriss II.

A zaouia é local de constante peregrinação, especialmente por mulheres devotas de Moulay Idriss II, que vão em busca de baraka ou boa sorte e fertilidade. Em uma das paredes da zaouia existe uma abertura própria para inserir cartas com os pedidos ou envelopes de doações.

Detalhe do belíssimo interior da Zaouia onde está o túmulo de Moulay Idriss II, fundador de Fès.

Depois da Zaouia, fomos almoçar, visitar algumas lojas e saímos da medina. No tempo em que ficamos fora, aproveitamos para visitar o Palais Royal ou Dar El-Makhzen (Palácio Real), localizado na Place des Alaouites, em Fès El Djedid (Ville Nouvelle). Este magnifico palácio, construído no século XIII pelos merenidas, possui imponentes portas de bronze e ocupa uma área de nada menos que 80 hectares. O Palácio tem a reputação, notadamente merecida, de estar entre as construções mais elegantes do Marrocos.

Fachada do Palácio Real na Ville Nouvele em Fès

Infelizmente, o palácio não é aberto à visitação, mas a simples visão da sua fachada já compensa. Dá para imaginar como é seu interior.

Enquanto estávamos na frente do palácio, um fotógrafo apareceu para tirar fotos dos turistas. No dia seguinte, ele estava vendendo as fotos na porta do nosso hotel. Isso acaba sendo algo bem comum no Marrocos. No entanto, deve-se tomar cuidado quando for tirar fotos que apareçam outras pessoas, pois eles tem o costume de pedir dinheiro quando percebem que saíram em alguma foto de turista. Além disso, também é considerado ofensivo tirar fotos das mulheres, especialmente daquelas usando a burca.

Detalhe dos mosaicos ao redor da porta de bronze

Perto do Palácio Real, ainda em Fès El Djedid fica o bairro judeu Mellah, fundando pelo sultão no final do século XVI para a comunidade judaica que habitava em Fès. Seu nome deriva da palavra árabe melh, que quer dizer sal.

O bairro difere dos outros locais em Fès pela arquitetura de suas casas. As moradias árabes possuem como característica principal o átrio ou jardim no meio da casa cercado pelos quartos, que são distribuídos ao redor do átrio. Com isso, a fachada das casas é, em geral, bem simples, ao contrário do seu interior. Já as casas judias possuem janelas, sacadas e decorações voltadas para o exterior, parecidas com as nossas mesmo.

Uma das ruas do bairro Mellah, com as casas judias acima das lojas do comércio.

Retornamos para a medina à noite, entrando dessa vez pelo portão de acesso mais famoso e mais bonito, o Bab Boujloud, um monumental portão decorado com zellijs azuis, localizados na face externa do portão, representando a cor de Fès,  e verdes, no lado interno do portão, representando a cor do alcorão. Apesar da aparência supostamente antiga, esse é o portão mais novo da medina, construído em 1913 pelos franceses durante o protetorado.

As construções ao redor do portão também são recentes, há vários restaurantes e cafés no local. Alguns deles com belos terraços para uma melhor visão da medina e suas construções.

Portão Bab Boujeloud com a Medersa Bou Inania ao fundo

Do Bab Boujeloud já se avista a Medersa Bou Inania, construída no século XIII pelo sultão merenida Abu Inane, do qual deriva seu nome. Medersas são escolas teológicas, onde se ensina o Alcorão. A Medersa Bou Inania é a maior e mais conhecida medersa merenida em Fès. Ela funciona como escola e local de oração. A construção é impecável, sua porta é de bronze e os degraus decorados com ônix e mármore, enquanto o minarete é decorado com mosaicos de madeira de cedro.

Próximo à medersa está o relógio de água feito de madeira entalhada em um friso. Reza a lenda que foi construído por um mago. Independente de ter sido ou não, é difícil imaginar como o relógio funciona. Abaixo dele tem um restaurante chamado Café Clock.

Relógio de água feito de madeira inscrustada na parede. Só mesmo o mago que o criou para saber como funciona…

Terminamos o dia andando pelas ruas da medina, vivenciando toda a movimentação da multidão às vésperas do importante feriado religioso chamado Sacrifício de Abraão, com toda agitação no comércio e bancas que vendiam especiarias, perfumes caseiros, especiarias, coentro, menta (expostos no chão) e até mesmo dentaduras, que são experimentadas pelos clientes antes de compra-las (arghhhh!).

Saímos da medina próximo ao portão Bab Chorfa, conhecido como o portão dos nobres e  construído em 1069.

Bab Chorfa, o portão dos nobres, visto à noite

Com certeza ainda há muito mais a ser visto, mas infelizmente tínhamos apenas um dia para visitar a medina. O tempo é curto para apreciar toda a riqueza cultural e arquitetônica de Fès el-Bali.

Após nossa bela visita à medina, retornamos ao nosso hotel para um delicioso jantar de tajine de carneiro e carne de caça com música ao vivo e uma muito esperada apresentação de dança do ventre, partes da cultura marroquina que serão melhores descritas em um próximo post.

Inshalá, vamos entrar na medina de Fès

Entrar na medina de Fès foi para mim um dos momentos mais esperados da viagem ao Marrocos. Depois de tanto ler sobre o local, em casa antes de viajar e durante o vôo para Madri, não tem como a curiosidade e a imaginação não aumentarem e criarem várias versões sobre como seria estar dentro da mais antiga medina do mundo árabe.

São tantos casos contados pelos turistas e guias e tantos anos de história dentro daqueles muros que ficamos extasiados só de atravessar os portões e sentir de perto o que é a vida dentro dos muros da medina.

Porém, antes de atravessar os portões e vivenciar o cotidiano mais puramente marroquino, nós subimos até o museu Borj Nord para termos uma magnífica vista da medina. O Borj Nord abriga o museu de armamento com uma coleção notável das armas feitas ou usadas no Marrocos.

Exterior do Borj Nord, o museu de armas fabricadas ou usadas no Marrocos

O Borj Nord era inicialmente um forte construído no século XVI, fazendo parte das muralhas de proteção da cidade, que posteriormente foi transformado no museu de armas, seguindo a tradição militar do local. São mais de 5000 peças em exibição divididas em 13 salas, incluindo armas do período pré-histórico até rifles modernos. A coleção é formada principalmente por doações da família real. Além do acervo marroquino há peças de origens européia, indiana e asiática.

Na verdade, esse não é o tipo de museu que gosto de visitar, mas, com certeza, a subida até o Borj Nord compensa pela vista que se tem da medina e dos seus arredores.

Medina de Fès vista do Borj Nord

Olhando dali de cima, a medina parece um local calmo e tranquilo, nem de longe deixando transparecer a agitação e barulho causados pela multidão que habita, transita, estuda, reza e trabalha por trás dos muros.

Estando ali, no alto do Borj Nord, admirando a bela paisagem formada pela medina com as montanhas ao fundo, naquela paz e quietude, a ansiedade para descer e atravessar os muros da cidade antiga aumentava cada vez mais.

Uma visão mais próxima da medina mostrando o amontoado de habitações, comércios e mesquitas

De lá de cima, também é possível avistar as ruínas das Tumbas Merenidas, rodeadas por uma belíssíma paisagem formada pela vegetação e pelas montanhas ao fundo. O local onde se encontram as tumbas, conhecido como Al Qolla, foi escolhido no século XIV para servir de necrópole real.

Lá foram enterrados vários sultões de linhagem real, porém hoje em dia o local encontra-se em ruínas. De fato, a paisagem em volta chama mais atenção dos que as tumbas somente.

Ruínas das Tumbas Merenidas vistas do Borj Nord

Após descer do Borj Nord, ainda passamos pelas muralhas do Kasbah Cherarda, um forte construído em 1670 pelo sultão Moulay Rashid com o objetivo de manter afastados as tribos bérberes do deserto. São no total 15 km de impressionantes muralhas que protegiam o suprimento de grãos dos ataques inimigos.

Os bérberes são na verdade os primeiros povos a habitarem no Marrocos, sendo que os árabes invadiram depois o local. Existe uma grande diferença cultural entre bérberes e árabes, incluindo idioma, crenças e hábitos, o que leva a uma certa rivalidade entre os dois povos até os dias de hoje.

Trecho das muralhas do Kasbah Cherarda. Os furos nas paredes são devido ao processo de restauração conduzido pela UNESCO

A medida em que nos aproximávamos da medina, maior era o número de pessoas na rua. Quando passamos de frente ao portão Bab Ftouh, um dos principais portões de entrada, vimos uma multidão de pessoas se espremendo por detrás dos muros. A mesma cena se repetiu quando passamos próximo ao Bab Boujeloud, outro imponente portão principal.

Isso era em parte justificável pois era véspera de um importante feriado religioso conhecido como O Sacrifício de Abraão. Por causa disso, todos os marroquinos estavam se preparando para a festa religiosa a ser celebrada no dia seguinte por todo o país.  O feriado e a sua comemoração serão em breve descritos em outro post, devido ao caráter forte da data e o tipo de comemoração, principalmente aos olhos de turistas ocidentais como nós.

Multidão de pessoas vista pelo lado de fora do Bab Boujeloud, uma das entradas principais para a medina
Nosso simpático guia explicando sobre as casas existentes dentro da medina

É importante saber que é totalmente necessária a presença de um guia para acompanhar a visita. Mesmo para mochileiros de plantão e viajantes de carteirinha experientes, é um risco desnecessário se aventurar pelas ruelas da medina sem a compania de um guia.

São 9400 ruelas espremidas dentro de 15 km de muralhas. A chance de alguém se perder lá dentro é bem grande.

E isso inclui até mesmo os próprios marroquinos, pois eu vi no noticiário da TV local, à noite, uma reportagem sobre pessoas desaparecidas que foram vistas pela última vez na medina.

Outra vantagem de se ter um guia é que ele pode explicar melhor tudo o que é visto na medina, suas contruções, seu comércio, suas mesquitas. São informações que enriquecem o passeio e nos dão um prazer maior por estar conhecendo um mundo tão diferente do nosso.

Nosso guia era muito simpático e bem humorado. Antes de entrarmos,  ele deixou bem claro o risco de se perder lá dentro, quando disse alegremente:

Inshalá, vamos entrar na medida e Inshalá sairemos de lá.

Inshalá é uma expressão árabe usada à exaustão pelos marroquinos e quer dizer “Se Deus quiser”. Bom, depois de ouvir isso, nossa vontade em conhecer as ruelas da medina aumentou ainda mais.

Quando atravessamos o portão para entrar na medina foi como se tivéssemos sido transportados para outro século. É como voltar no tempo ou estar em um filme como aqueles que passavam antigamente na Sessão da Tarde. É outro mundo, outra realidade, outra cultura. As palavras parecem poucas para descrever toda a sensação que temos por estar lá, é preciso vivenciar para melhor compreender.

Estando espremida no meio da multidão, o primeiro pensamento que vem à tona é “Socorro, me tirem daqui”. O segundo pensamento ” Espere um pouco, parece interessante” e o terceiro e definitivo é ” Oba, me deixem aqui, isso é realmente divertido”.

A medina é formada por uma confusão de pessoas e bichos se movimentando, rezando, fazendo comércio, enfim vivendo o dia a dia marroquino. Ali nossos sentidos ficam aguçados, visão, tato, olfato e audição são bombardeados com imagens, cheiros, sons, objetos que combinam e diferem ao mesmo tempo, formando uma estranha, porém instigante sinfonia.

Pessoas se espremendo nas ruelas da medina

Medina em árabe significa cidade antiga. É o centro urbano em que se vivia, e que ainda se vive, em muitas das cidades árabes. Na medina de Fès (Fés el Bali) vivem cerca de 500 mil pessoas que habitam e transitam por suas ruas.

O comércio é formado pelo que poderíamos chamar de quiosques ou bancas, um do lado do outro, onde são vendidos cereais, carnes, utensílios domésticos, roupas e quaquer outra coisa que se queira comprar, tudo misturado. Algumas lojas são maiores formadas por casas espaçosas. São as lojas mais especializadas que vendem tapetes, roupas e especiarias.

Loja de azeitonas em uma das ruas da medina. As azeitonas são altamente apreciadas pelos marroquinos, sendo servidas inclusive no café da manhã

Quanto ao comércio de alimentos, laticínios, carnes e peixes, podemos dizer que eles desconhecem qualquer conceito de vigilância sanitária. Não há refrigeração e tudo fica muito exposto. Vimos até mesmo maços de coentro distribuidos em tapetes no chão, próximos aos pés das pessoas e mulas. Isso me faz pensar quão bom deve ser o sistema imunológico dos marroquinos.

Nos açougues é vendido de tudo, desde carnes de carneiros até de camelos. Todas as partes são apreciadas, inclusive as cabeças. Algumas placas anunciam em específico o preço das cabeças. Essas carnes também são vendidas sem refrigeração ou qualquer outra medida de higiene e ficam expostas próximas à passagem de pessoas, mulas e o que mais estiver transitando no local.

Cabeça de camelo sendo vendida em um açougue. Qualquer tipo de carne serve como fonte de alimento

Na medina não é possível entrar carros, então o transporte é feito com mulas que são conhecidas como os taxis da medina. Quando se escuta alguém falando “Balak Balak” é porque está passando com uma mula e por isso pede licença. Nesse caso é bom se espremer contra uma das paredes ou bancas para deixa-los passar, pois como dizia nosso guia, esse é um tipo de taxi que pode morder.

Taxis da medina

Escutamos muitos” Balak Balak” e era sempre uma diversão pois todos do grupo começavam a gritar Balak Balak também, juntamente com o dono da mula, porém obviamente os marroquinos eram bem mais discretos com o Balak do que nós viajantes admirados.

Lavadores de lã executam suas tarefas em uma das ruelas da medina

Para quem gosta de bichos e tem por hábito e crença defender os animais, como eu, a visão das mulas sobrecarregadas de peso, com a língua para fora, não é muito agradável. Dá pena dos pobres bichos trabalhando tão arduamente, carregando alimentos, tecidos, objetos pessoais e tudo o mais que puder ser colocado em suas costas.

O que não é carregado pelas mulas, acaba sendo transportado por carrinhos de mão ou levado nas costas das pessoas. Mesmo com pena das mulas, nota-se que a vida também não é fácil para os habitantes da medina e pessoas que necessitam transitar por lá diariamente.

 

Foi na medina de Fès que as cenas da novela O Clone foram gravadas. Curiosamente, eles lembram desse fato até hoje se referindo como a “famosa novela brasileira”.

As casas habitadas parecem ser muito simples vistas por fora, pois vemos apenas a porta de entrada, porém na verdade são grandes e espaçosas por dentro. Seguindo a arquitetura típica árabe, há um corredor por trás da porta de entrada que leva para um átrio central, alguns com fonte de água do meio, rodeado pelos cômodos.

No segundo andar ficam os quartos, geralmente espaçosos também e no último andar o terraço, que alguns usam como varanda ou quintal. É comum ver ali alguns varais com roupas estendidas para secarem.

A maioria das casas também possuem comunicação entre si, assim as mulheres poderiam visitar umas às outras sem precisarem sair nas ruas. Dessa forma, elas permaneciam grande parte do tempo dentro das moradias.

No alto das casas é possível ver pequenas janelas com grades de ferro feitas com desenhos arabescos. Essas janelinhas serviam para permitir às mulheres que vissem a movimentação das ruas sem serem vistas por quem lá estivesse passando.

Outro ponto em comum das casas dentro da medina é que elas não possuem forno, pois seria impossível assar alguma coisa nas casas sem “poluir” o ar da medina. Há um forno grande e comunitário que os moradores usam. É comum ver várias meninas novas carregando sobre as cabeças ou nas mãos tabuleiros de pães para assar ou recém assados no forno comunitário.

A estrutura interna das casas é bem visível nas lojas de tapetes ou couro que visitamos. As lojas, assim como as compras tão desejadas para quem vai ao Marrocos, serão melhor detalhadas em outro post. Isso porque comprar no Marrocos não é uma atividade qualquer, leva tempo e dedicação para o extenso processo de barganha tão característico do país.

Parecem estranhos, mas esses vegetais secos à venda são usados como palito de dentes pelos marroquinos

Os únicos momentos em que a vida dentro dos muros da medina parece se acalmar um pouco são durante as chamadas para oração. Nessa hora, várias pessoas se dirigem à mesquita mais próxima para orar. É nítida a mudança de humor nas ruas e comércios. O respeito pela fé e crença fala mais alto do que qualquer atividade cotidiana.

Uma rua incrivelmente calma e vazia durante o chamado para a oração. Algumas lojas já estão fechadas por causa do feriado religioso

Para que todos possam se dirigir à mesquita, há por todas as ruas uma linha formada por círculos salientes nas paredes. Essas bolinhas existentes por todos os lados servem para guiar os cegos, que tocando nas bolinhas conseguem se locomover em direção às mesquitas e assim cumprirem as obrigações religiosas.

Quando termina o chamado, a vida volta a pulsar freneticamente em todas as ruelas e comércios existentes.

Tâmaras,passas e outras frutas secas de um lado…
… e uma loja de vestidos ricamente bordados do outro

Estando dentro da medina, não se sente vontade de sair. Sem dúvida, é um mundo diferente, algo que parece ser possível apenas na imaginação ou nos contos árabes. Visitamos o local durante o dia e à noite, e cada momento foi prazeiroso e memorável, mesmo com toda a agitação da multidão, aumentada ainda mais por ser a véspera do feriado religioso, mesmo com a presença das mulas, carneiros e outros bichos se misturando com as pessoas. No final, tudo era novo e fascinante.

Vendedor de perfumes trabalhando à noite
Confusão em uma das lojas da medina

Para quem vai ao Marrocos, a visita à medina de Fès é com certeza um ponto obrigatório. Tanto por ser a medina mais antiga do mundo árabe, quanto por ser um experiência única, com direito a sermos transportados para outra época, um período onde o tempo permaneceu o mesmo, sem se alterar apesar de todas as mudanças ocorridas no mundo tecnológico em que vivemos hoje em dia.

De todos os lugares que visitei no Marrocos, a medina de Fès é um dos que mais me lembro com saudade e com uma imensa vontade de voltar para vivenciar novamente toda a confusão, aglomeração e barulho existentes por detrás das muralhas. Não é à toa que a medina faz parte do patrimônio mundial protegido pela UNESCO.

À noite, os muros da medina parecem ainda mais imponentes

 

Lavadores de lã executam suas tarefas em uma das ruelas da medina

Para quem gosta de bichos e tem por hábito e crença defender os animais, como eu, a visão das mulas sobrecarregadas de peso, com a língua para fora, não é muito agradável. Dá pena dos pobres bichos trabalhando tão arduamente.

Como são feitas as cerâmicas típicas de Fès

Um dos primeiros lugares que visitei em Fès foi a olaria, onde vimos como se dá o processo de fabricação das lindas e famosas cerâmicas de Fès, com a coloração azul cobalto, marca registrada da cidade. Antigamente, as cerâmicas costumavam ser feitas no interior da medina, porém todas as olarias tiveram que ser transferidas para o distrito de Nokbi Ain por causa da poluição do ar causada pelos fornos.

 

Belíssima tigela com o azul cobalto, cor típica de Fès

Conhecer uma olaria no Marrocos é uma experiência muito rica. É incrível como eles ainda fabricam cerâmica empregando as mesmas técnicas de tantos anos atrás. A visita começa no local onde ficam os fornos para aquecimento da cerâmica. Esses fornos usam tradicionalmente caroços de azeitona como combustível.

As azeitonas no Marrocos são bem aproveitadas para tudo. A primeira prensa da azeitona  fornece o azeite para a cozinha, a segunda prensa, serve como matéria prima para a fabricação de cosméticos para corpo, a terceira como óleo de lamparina e, por fim, o caroço para combustão nos fornos. Como se pode ver é um consumo bem sustentável.

 

Forno para o aquecimento das cerâmicas

Hoje existem 3 tipos de fornos utilizados nas olarias, além do forno que utiliza caroço de azeitona, há também os fornos a gás e madeira.  O forno abastecido com madeira queima de forma irregular, a alteração na temperatura acaba acarretando a perda de várias peças. Já o forno à gas oferece maior controle e uniformidade da queima, porém não atinge altas temperaturas necessárias para a maior qualidade das peças.

Fès é a única cidade do Marrocos onde se usa a argila de grés, que é mais resistente que a argila de barro. Esse tipo de argila deve ser aquecido a uma temperatura bem mais alta, o que confere  maior resistência a lascas e mau uso. Assim, os marroquinos preferem usar o forno abastecido com os caroços de azeitona que oferece tanto a queima uniforme quanto a alta temperatura desejada.

Após a primeira queima, os potes, tigelas e placas de cerâmica são deixados para esfriar. Quando estiverem completamente frios serão pintados e aquecidos novamente para a perfeita finalização da peça.

Potinhos de tajine esperando para serem pintados

As tintas são distribuídas em recipientes para facilitar a pintura das cerâmicas. Cada item é decorado à mão. Após a pintura, as peças estão prontas para irem ao forno novamente.

Tigelas com tintas para pintar os vasos, potes ou placas de cerâmica

Nessa segunda etapa, as peças ficam no forno em alta temperatura por cerca de nove horas, em seguida, o forno é fechado e deixado esfriar por três a quatro dias. Dessa forma, todo o oxigênio no forno é queimado quando ele está selado,o que reduz a queima e contribui para a durabilidade da cerâmica.

Peças esperando para irem ao forno após a pintura feita à mão

Nesse caso é usado um tipo de forno diferente do empregado para a primeira queima da cerâmica.

Forno usado para a queima da cerâmica já pintada

Quanto às placas de cerâmica pintadas, após a queima elas são quebradas manualmente para formar pequenos pedaços destinados à montagem dos mosaicos. Para isso, são usadas ferramentas típicas como alicates e fendas.

É incrível pensar que eles quebram tudo de forma manual, nos diferentes formatos desejados para cada tipo de mosaico. É um processo trabalhoso que requer muita perícia e cuidado por parte de quem faz.

Pedacinhos de placas de cerâmica coloridas quebrados destinados para os mosaicos

Depois de tudo quebrado, eles vão montando o mosaico de cabeça para baixo, colocando as pecinhas de acordo com o desenho desejado. No final eles, passam a massa para unir todos os pedaços.

Como dá para perceber, a montagem tem que ser à prova de erro, por isso cada pecinha deve ser cortada no tamanho certo e encaixada corretamente para formar o desenho final.

Mosaico sendo montado de cabeça para baixo no chão

É fascinante, sem dúvida. E se torna mais surpreendente ainda quando vemos o resultado final. Sinceramente nunca tinha pensado em como eram feitos os mosaicos. Agora fico imaginando todo o trabalho por trás de cada peça, o que as deixam ainda mais bonitas.

Magníficos mosaicos usados para enfeitar fontes e placas

Não é à toa que Fès, por séculos, tem se orgulhado por produzir a cerâmica mais fina e bela de todo o Marrocos. A beleza da cerâmica vem de um conhecimento complexo que é passado de pai para filho, mantendo a tradição secular de fabricação manual.

Loja no final da olaria. Tudo com "desconto especial" para os visitantes

Existem dois tipos principais de peças. Aquelas decoradas com o azul característico e as peças totalmente coloridas. Ambos os tipos são pintados sobre um fundo branco. Algumas peças também recebem acabamento de prata, dando um toque final delicado e muito requintado.

Quanto mais branco o fundo, obtido com chumbo e óxido de estanho, mais puro e brilhante é o resultado e maior a técnica e qualidade estética do objeto.

Lindo conjunto de chá na cor azul cobalto

A mistura feita para a obtenção da cor azul cobalto é, obviamente, guardada em segredo, mas um de seus componentes é o óxido de cobalto, que existe em abundância na região. A alta temperatura dos fornos também contribui para a tonalidade final.

Tajines finalizados à venda na loja da olaria

A visita à olaria termina sempre na loja onde estão expostas lindas peças como tajines, vasos, cinzeiros e conjuntos de chá e jantar, assim como tigelas e pratos decorativos. Este é o melhor lugar para comprar as cerâmicas típicas, pois os preços são tabelados pelo governo. Assim podemos dispender mais tempo na escolha dos objetos do que no árduo processo de negociação de preços (tópico a ser discutido mais adiante).

São tantas peças lindas que é impossível resistir à tentação de sair da loja carregando várias sacolas de presentes.

Assim fica difícil de escolher o que comprar....

 

Fès, a cidade imperial mais antiga do Marrocos

Saindo de Meknès, e após passar por Volubilis, fomos para Fès que, para mim, foi o auge da viagem ao Marrocos.

Em Fès, podemos sentir o mais puro jeito de ser do marroquino. Sua medina formada pelo labirinto de ruelas, os souks repletos de lindos tapetes, artesanatos e roupas, com vendedores ávidos por turistas, as muitas mesquitas, o belíssimo palácio real, a multidão de pessoas nas ruas e a olaria onde aprendemos como são feitos os magníficos mosaicos são lembranças que, com certeza, não serão esquecidas.

Decididamente, Fès é uma cidade que deve constar no roteiro de qualquer pessoa que vá para o Marrocos.

Fès está situada a 60 km de Meknès. A cidade é a mais antiga dentre as cidades imperiais do Marrocos, sendo a primeira capital do país. É uma das cidades mais prestigiadas no mundo islâmico, devido ao fato de ter sido por séculos o centro da cultura e religião para a civilização Magrebe (povos do noroeste da África, abrangendo Marrocos, Tunísia e Argélia).

Vista do alto da medina de Fès, a mais antiga do mundo árabe

A cidade foi fundada em 789 por Idriss I. Sua localização geográfica nas terras férteis ao pé do Monte  Zalagh, favoreceu o crescimento econômico e político, sendo um fator decisivo para o desenvolvimento e influência da cidade.

Fès foi a capital política e espiritual de Marrocos por mais de 1.000 anos desde a sua criação por Moulay Idriss. Sua fase áurea foi na Idade Média, quando estava no centro da vida política, cultural e religiosa do Marrocos e de todo o mundo muçulmano, sendo referência em matemática, filosofia e medicina.

Muros ao redor de Fès el-Bali, a cidade antiga

No reinado dos Almorávidas e Almoádas, a capital do Marrocos se mudou para Marrakech, somente quando os Merenidas chegaram ao poder que Fès voltou a ser a capital do reino. Nessa época, a cidade era pequena demais e um novo centro urbano teve que ser desenvolvido, chamado de Fès el-Jedid (nova Fès), onde se encontra o palácio real.

Fès el-Bali (antiga Fès) foi submetida à restauração e é, no meu ponto de vista, o lugar mais interessante para se visitar, pois é onde se encontra a intrigante medina. Mais tarde, a capital voltou a ser Marrakesh, no reinado dos sauditas e, posteriormente foi transferida para Meknès, no reinado de Moulay Ismail. Durante todo esse tempo, aproximadamente 2 séculos, Fès caiu no abandono. Somente no reinado do sultão Alauíta Moulay Abdullah que a cidade voltou a ser a capital, até o estabelecimento de Protetorado, onde então a capital do reino do Marrocos passou a ser Rabat, que permanece até hoje.

Aglomerado de pessoas em uma das portas de entrada para a medina.

Hoje em dia, Fès é a segunda maior cidade do Marrocos, com uma população de aproximadamente 1 milhão de  habitantes. A cidade mostra influências dos povos árabes, berberes, judeus e da Andaluzia. Ela é conhecida por seus belos artesanatos, sendo uma das melhores cidades para ir às compras.

Uma vez que comprar no Marrocos é praticamente um processo que necessita tempo e dedicação, esse será um tópico discutido mais adiante.

Vendedores no interior de uma loja de tapetes em Fès el-Bali

Assim como cada cidade no Marrocos é conhecida por uma cor, Fès também possui sua cor característica, o azul cobalto, facilmente visível no artesanato, principalmente nos mosaicos e vasos.

Belíssimo mosaico feito manualmente na olaria de Fès

O povo de Fès é simpático e amigável. Eles são orgulhosos de sua cidade pela importância histórica, cultural e religiosa. Afinal a cidade possui a medina mais antiga do mundo árabe. Sua autenticidade e seus mais de 1200 anos de idade lhe valeram a entrada para a lista de Patrimônio da Humanidade da UNESCO, dentre as muitas construções famosas em Fès, pode-se citar a primeira universidade islâmica que se encontra no interior da medina.

Vendedor de tâmaras no interior da medina

Fès é um mundo a ser descoberto. A cidade ainda mantém o ar de Idade Média, misturado com a vida moderna fora dos muros da medina.

Visitar Fès é uma experiência única que merece ser vivida com calma, mergulhando na sua autenticidade, onde os anos parecem não ter passado. O local é fascinante, é preciso estar lá para entender e sentir todo o mistério, magia e peculiaridades da sua medina e de tudo o mais que envolve e representa a cidade.

Decididamente, nenhuma viagem ao Marrocos está completa se Fès não fizer parte do roteiro.