Arquivo mensais:outubro 2011

Como são feitas as cerâmicas típicas de Fès

Um dos primeiros lugares que visitei em Fès foi a olaria, onde vimos como se dá o processo de fabricação das lindas e famosas cerâmicas de Fès, com a coloração azul cobalto, marca registrada da cidade. Antigamente, as cerâmicas costumavam ser feitas no interior da medina, porém todas as olarias tiveram que ser transferidas para o distrito de Nokbi Ain por causa da poluição do ar causada pelos fornos.

 

Belíssima tigela com o azul cobalto, cor típica de Fès

Conhecer uma olaria no Marrocos é uma experiência muito rica. É incrível como eles ainda fabricam cerâmica empregando as mesmas técnicas de tantos anos atrás. A visita começa no local onde ficam os fornos para aquecimento da cerâmica. Esses fornos usam tradicionalmente caroços de azeitona como combustível.

As azeitonas no Marrocos são bem aproveitadas para tudo. A primeira prensa da azeitona  fornece o azeite para a cozinha, a segunda prensa, serve como matéria prima para a fabricação de cosméticos para corpo, a terceira como óleo de lamparina e, por fim, o caroço para combustão nos fornos. Como se pode ver é um consumo bem sustentável.

 

Forno para o aquecimento das cerâmicas

Hoje existem 3 tipos de fornos utilizados nas olarias, além do forno que utiliza caroço de azeitona, há também os fornos a gás e madeira.  O forno abastecido com madeira queima de forma irregular, a alteração na temperatura acaba acarretando a perda de várias peças. Já o forno à gas oferece maior controle e uniformidade da queima, porém não atinge altas temperaturas necessárias para a maior qualidade das peças.

Fès é a única cidade do Marrocos onde se usa a argila de grés, que é mais resistente que a argila de barro. Esse tipo de argila deve ser aquecido a uma temperatura bem mais alta, o que confere  maior resistência a lascas e mau uso. Assim, os marroquinos preferem usar o forno abastecido com os caroços de azeitona que oferece tanto a queima uniforme quanto a alta temperatura desejada.

Após a primeira queima, os potes, tigelas e placas de cerâmica são deixados para esfriar. Quando estiverem completamente frios serão pintados e aquecidos novamente para a perfeita finalização da peça.

Potinhos de tajine esperando para serem pintados

As tintas são distribuídas em recipientes para facilitar a pintura das cerâmicas. Cada item é decorado à mão. Após a pintura, as peças estão prontas para irem ao forno novamente.

Tigelas com tintas para pintar os vasos, potes ou placas de cerâmica

Nessa segunda etapa, as peças ficam no forno em alta temperatura por cerca de nove horas, em seguida, o forno é fechado e deixado esfriar por três a quatro dias. Dessa forma, todo o oxigênio no forno é queimado quando ele está selado,o que reduz a queima e contribui para a durabilidade da cerâmica.

Peças esperando para irem ao forno após a pintura feita à mão

Nesse caso é usado um tipo de forno diferente do empregado para a primeira queima da cerâmica.

Forno usado para a queima da cerâmica já pintada

Quanto às placas de cerâmica pintadas, após a queima elas são quebradas manualmente para formar pequenos pedaços destinados à montagem dos mosaicos. Para isso, são usadas ferramentas típicas como alicates e fendas.

É incrível pensar que eles quebram tudo de forma manual, nos diferentes formatos desejados para cada tipo de mosaico. É um processo trabalhoso que requer muita perícia e cuidado por parte de quem faz.

Pedacinhos de placas de cerâmica coloridas quebrados destinados para os mosaicos

Depois de tudo quebrado, eles vão montando o mosaico de cabeça para baixo, colocando as pecinhas de acordo com o desenho desejado. No final eles, passam a massa para unir todos os pedaços.

Como dá para perceber, a montagem tem que ser à prova de erro, por isso cada pecinha deve ser cortada no tamanho certo e encaixada corretamente para formar o desenho final.

Mosaico sendo montado de cabeça para baixo no chão

É fascinante, sem dúvida. E se torna mais surpreendente ainda quando vemos o resultado final. Sinceramente nunca tinha pensado em como eram feitos os mosaicos. Agora fico imaginando todo o trabalho por trás de cada peça, o que as deixam ainda mais bonitas.

Magníficos mosaicos usados para enfeitar fontes e placas

Não é à toa que Fès, por séculos, tem se orgulhado por produzir a cerâmica mais fina e bela de todo o Marrocos. A beleza da cerâmica vem de um conhecimento complexo que é passado de pai para filho, mantendo a tradição secular de fabricação manual.

Loja no final da olaria. Tudo com "desconto especial" para os visitantes

Existem dois tipos principais de peças. Aquelas decoradas com o azul característico e as peças totalmente coloridas. Ambos os tipos são pintados sobre um fundo branco. Algumas peças também recebem acabamento de prata, dando um toque final delicado e muito requintado.

Quanto mais branco o fundo, obtido com chumbo e óxido de estanho, mais puro e brilhante é o resultado e maior a técnica e qualidade estética do objeto.

Lindo conjunto de chá na cor azul cobalto

A mistura feita para a obtenção da cor azul cobalto é, obviamente, guardada em segredo, mas um de seus componentes é o óxido de cobalto, que existe em abundância na região. A alta temperatura dos fornos também contribui para a tonalidade final.

Tajines finalizados à venda na loja da olaria

A visita à olaria termina sempre na loja onde estão expostas lindas peças como tajines, vasos, cinzeiros e conjuntos de chá e jantar, assim como tigelas e pratos decorativos. Este é o melhor lugar para comprar as cerâmicas típicas, pois os preços são tabelados pelo governo. Assim podemos dispender mais tempo na escolha dos objetos do que no árduo processo de negociação de preços (tópico a ser discutido mais adiante).

São tantas peças lindas que é impossível resistir à tentação de sair da loja carregando várias sacolas de presentes.

Assim fica difícil de escolher o que comprar....

 

Fès, a cidade imperial mais antiga do Marrocos

Saindo de Meknès, e após passar por Volubilis, fomos para Fès que, para mim, foi o auge da viagem ao Marrocos.

Em Fès, podemos sentir o mais puro jeito de ser do marroquino. Sua medina formada pelo labirinto de ruelas, os souks repletos de lindos tapetes, artesanatos e roupas, com vendedores ávidos por turistas, as muitas mesquitas, o belíssimo palácio real, a multidão de pessoas nas ruas e a olaria onde aprendemos como são feitos os magníficos mosaicos são lembranças que, com certeza, não serão esquecidas.

Decididamente, Fès é uma cidade que deve constar no roteiro de qualquer pessoa que vá para o Marrocos.

Fès está situada a 60 km de Meknès. A cidade é a mais antiga dentre as cidades imperiais do Marrocos, sendo a primeira capital do país. É uma das cidades mais prestigiadas no mundo islâmico, devido ao fato de ter sido por séculos o centro da cultura e religião para a civilização Magrebe (povos do noroeste da África, abrangendo Marrocos, Tunísia e Argélia).

Vista do alto da medina de Fès, a mais antiga do mundo árabe

A cidade foi fundada em 789 por Idriss I. Sua localização geográfica nas terras férteis ao pé do Monte  Zalagh, favoreceu o crescimento econômico e político, sendo um fator decisivo para o desenvolvimento e influência da cidade.

Fès foi a capital política e espiritual de Marrocos por mais de 1.000 anos desde a sua criação por Moulay Idriss. Sua fase áurea foi na Idade Média, quando estava no centro da vida política, cultural e religiosa do Marrocos e de todo o mundo muçulmano, sendo referência em matemática, filosofia e medicina.

Muros ao redor de Fès el-Bali, a cidade antiga

No reinado dos Almorávidas e Almoádas, a capital do Marrocos se mudou para Marrakech, somente quando os Merenidas chegaram ao poder que Fès voltou a ser a capital do reino. Nessa época, a cidade era pequena demais e um novo centro urbano teve que ser desenvolvido, chamado de Fès el-Jedid (nova Fès), onde se encontra o palácio real.

Fès el-Bali (antiga Fès) foi submetida à restauração e é, no meu ponto de vista, o lugar mais interessante para se visitar, pois é onde se encontra a intrigante medina. Mais tarde, a capital voltou a ser Marrakesh, no reinado dos sauditas e, posteriormente foi transferida para Meknès, no reinado de Moulay Ismail. Durante todo esse tempo, aproximadamente 2 séculos, Fès caiu no abandono. Somente no reinado do sultão Alauíta Moulay Abdullah que a cidade voltou a ser a capital, até o estabelecimento de Protetorado, onde então a capital do reino do Marrocos passou a ser Rabat, que permanece até hoje.

Aglomerado de pessoas em uma das portas de entrada para a medina.

Hoje em dia, Fès é a segunda maior cidade do Marrocos, com uma população de aproximadamente 1 milhão de  habitantes. A cidade mostra influências dos povos árabes, berberes, judeus e da Andaluzia. Ela é conhecida por seus belos artesanatos, sendo uma das melhores cidades para ir às compras.

Uma vez que comprar no Marrocos é praticamente um processo que necessita tempo e dedicação, esse será um tópico discutido mais adiante.

Vendedores no interior de uma loja de tapetes em Fès el-Bali

Assim como cada cidade no Marrocos é conhecida por uma cor, Fès também possui sua cor característica, o azul cobalto, facilmente visível no artesanato, principalmente nos mosaicos e vasos.

Belíssimo mosaico feito manualmente na olaria de Fès

O povo de Fès é simpático e amigável. Eles são orgulhosos de sua cidade pela importância histórica, cultural e religiosa. Afinal a cidade possui a medina mais antiga do mundo árabe. Sua autenticidade e seus mais de 1200 anos de idade lhe valeram a entrada para a lista de Patrimônio da Humanidade da UNESCO, dentre as muitas construções famosas em Fès, pode-se citar a primeira universidade islâmica que se encontra no interior da medina.

Vendedor de tâmaras no interior da medina

Fès é um mundo a ser descoberto. A cidade ainda mantém o ar de Idade Média, misturado com a vida moderna fora dos muros da medina.

Visitar Fès é uma experiência única que merece ser vivida com calma, mergulhando na sua autenticidade, onde os anos parecem não ter passado. O local é fascinante, é preciso estar lá para entender e sentir todo o mistério, magia e peculiaridades da sua medina e de tudo o mais que envolve e representa a cidade.

Decididamente, nenhuma viagem ao Marrocos está completa se Fès não fizer parte do roteiro.