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Marrakech – O que torna a praça Djemaa el Fna tão especial

O que faz a praça Djemaa el Fna (ou Jemaa el Fna) ser tão famosa? Afinal é impossível falar em Marrakech sem mencionar a Djemaa el Fna. Situada dentro da medina, a praça é o símbolo e o coração pulsante da cidade e talvez até mesmo do país.

Durante o dia, apenas um lugar calmo e vazio em Marrakech

Djemaa el Fna quer dizer algo parecido com Assembléia dos Mortos. O nome é devido ao fato de que antigamente era o local para execução de criminosos, porém não há muita certeza histórica sobre a veracidade da analogia.

Durante o dia o local é apenas um espaço aberto por onde circulam pessoas a pé ou em motos e bicicletas. Há também algumas barracas vendendo especiarias, frutas secas e suco de laranja. Porém, mesmo que à primeira vista pareça um local sem atrativos que não faz jus à sua fama, ainda assim é interessante conhecer a praça. Isso porque durante o dia já é possível encontrar encantadores de cobras e outros artistas. Por ter menos movimento nesse horário, fica mais fácil de tirar as tão esperadas fotos dos encantadores e suas cobras.

O encantador e sua flauta tocando sem parar

É um espetáculo único ver o encantador sentado calmamente no chão tocando sua flauta em uma música contínua, sinuosa, hipnótica. Ao seu lado ficam outros homens com pandeiros e outros instrumentos.

No site da Wikipédia há uma explicação sobre o encantamento das serpentes. Na verdade as cobras, incluindo a Naja, a mais comum nesse tipo de apresentação, são surdas aos sons emanados pela flauta, mas conseguem sentir as vibrações do solo. O que seduz a cobra de fato é o movimento da flauta e não sua música. Os encantadores de cobra também podem passar urina de rato na flauta, o que faz com que a cobra procure sua presa natural.

Música contínua, sinuosa e hipnótica

Como é de se esperar, para tirar as fotos é preciso pagar aos encantadores, ou qualquer outro artista que estiver no local. A melhor forma para não se esquentar com isso é combinar o preço antes assim como o número de fotos que deseja tirar. Os performistas podem ficar um pouco agressivos se acharem que não estão pagando o devido valor às fotos. Então o melhor a fazer é combinar o preço e tirar suas fotos sem se deixar apressar por eles. Em geral, pode-se pagar entre 10 a 20 dihans (11 dihans = 1 euro). É lógico que quanto mais fotos, mais dihans devem ser combinados. Como em qualquer negociação no Marrocos, aqui vale a pena pechinchar também.

Os performistas são insistentes para que se tirem fotos e alguns chegam a colocar a cobra no pescoço dos turistas. Então, quem não quiser ter uma cobra enrolada no pescoço na hora da foto é bom deixar bem claro. No meu caso acabei tirando várias fotos com uma cobra aparentemente mansa enrolada em mim, mas devo confessar que sentir aquela pele fria não é lá muito agradável.

Cobras e mais cobras aparentemente hipnotizadas

Também há adestradores de macacos, mas esses me desagradam profundamente, pois acho que o macaco deveria estar solto na floresta e não acorrentado em exposição para atrair a atenção dos turistas. Assim como fazem com as cobras, os adestradores também colocam os macacos nos ombros dos turistas que param para olhar ou mesmo que apenas passam perto de um deles.

Mesmo no caso das cobras é de se pensar que esse espetáculo, por mais exótico e histórico que seja, não deixa de ser exploração dos animais. No final das contas, não dá para ter certeza  se as cobras e macacos não estão expostos a maus tratos. Além disso, por estar fora de seu habitat natural, esses animais podem ter seu tempo de vida reduzido.

A multidão toma conta da Djemaa el Fna após o pôr do sol

Bom, se a praça é calma e vazia durante o dia, ao entardecer ela se transforma totalmente. À noite a Djemma el Fna  torna-se palco de um cenário deslumbrante formado por performistas, acrobatas, contadores de histórias, tatuadores de henna, encantadores de serpente, músicos, adivinhos, inúmeras barracas vendendo comida, vendedores de incensos e ainda mais.

Apesar de turística, a Djemaa el Fna é dos marroquinos e para os marroquinos, independente da classe social, se é homem ou mulher, se é árabe ou bérbere. Ali todos se juntam, todos se divertem e todos formam uma cultura única e rica. Por todo esse jeito excêntrico e curioso de ser, a Djemaa el Fna entrou para a lista de Patrimônio Imaterial e Oral da UNESCO. A praça também ganhou seu espaço no livro 1000 Lugares para Conhecer Antes de Morrer de Patricia Schultz.

Mesas das inúmeras barracas de comida, restaurantes ao ar livre

É difícil explicar ou mesmo descrever a Djemaa el Fna. Palavras parecem não ser adequadas para expressar o que se vê no local, é preciso estar lá para sentir a vida pulsante, a transformação mágica que ocorre após o sol se pôr. Pessoas de todos os tipos, jeitos e pensamentos se misturam e se aglomeram, ficam paradas em volta dos contadores de histórias que gritam e se agitam em uma encenação sem fim, sentam para jantar nas mesas dispostas na frentes das incontáveis barracas que funcionam como restaurante onde os homens trabalham como cozinheiros, atendentes e garçons no meio de couscous, tajines ou cabeças de carneiros, ou simplesmente transitam entre os grupos formados.

A agitada multidão funciona como um antônimo para o nome, a Praça dos Mortos é cheia de vida.

Tajine, um dos pratos mais tradicionais do Marrocos, sendo preparado

É uma experiência tão única, rica e encantadora estar na praça que simplesmente não dá vontade de ir embora. Ali podemos nos perder, seja no meio da multidão, na mistura de performistas ou nos aromas vindo das barracas de comida ou dos vendedores de incenso. Para complementar, basta levantar os olhos e teremos uma bela visão do minarete da mesquita Koutoubia, que parece observar de longe toda aquela confluência de pessoas.

Para quem preferir não se aventurar no meio da multidão, dá para apreciar a agitação dos terraços dos muitos restaurantes existentes em volta da praça, comendo um tajine ou tomando um delicioso e tradicional chá de menta açucarado. Os passeio de charrete (ou caléche) também saem próximos da praça, tanto durante o dia, quanto à noite.

Uma das muitas barracas de comidas dispostas em longas fileiras

Alguns turistas podem ficar apreensivos de permanecerem na praça à noite, eu mesma vi alguns cuja curiosidade parecia brigar com o sentimento de insegurança. Como qualquer lugar turístico com muita aglomeração de pessoas, é bom tomar alguns cuidados e ficar atento. Não há assalto, mas podem existir alguns trombadinhas. Porém, nada que atrapalhe a diversão. A Djemaa el Fna é o coração e a alma de Marrakech, um lugar inesquecível que, com certeza absoluta, merece ser visitada e experimentada em tudo que ela oferece.

Uma mistura de aromas vindo das barracas permeia todos os cantos da Djemaa el Fna

 

Na medina de Marrakech

No primeiro dia em Marrakech, saímos logo cedo em direção à medina, um lugar, sem dúvida alguma, que desejávamos muito conhecer. É na medina que estão muitos dos pontos turísticos da cidade, incluindo a emblemática praça Djemaa El Fna, e é onde sentimos mais de perto o Marrocos em sua essência mais pura, mesmo em uma cidade turística como Marrakech.

A medina de Marrakech é um pouco diferente da que visitamos em Fès, as ruas são mais amplas e, embora também não haja carros, motos podem entrar. Nesse caso, assim como em Fès, tanto para as mulas, ou taxis da medina como eles chamam, quanto para as motos, é necessário sair da frente quando se escuta Balak Balak, que quer dizer atenção em árabe. É um aviso que a moto ou a mula carregada de coisas irá passar.

Mapa da medina de Marrakech

A medina de Marrakech também era menos movimentada que a de Fès, podíamos andar mais tranquilamente, sem precisarmos nos espremer nas paredes a cada Balak Balak que ouvíamos, porém essa diferença também era devida ao fato que visitamos a medina de Fès na véspera do feriado religioso chamado O Sacrifício de Abraão, e toda a população de Fès parecia estar na medina comprando os preparativos para a festa.

Bom, salvo as diferenças e as comparações inevitáveis entre as duas cidades, visitar a medina é sempre um passeio imperdívei e digamos até que necessário. É sempre divertido, um mundo exótico e antigo que se abre para nós assim que atravessamos os portões e muros tão imponentes quanto históricos.

Detalhe da porta de uma das casas da medina

São dois mundos divididos pelos muros: a Ville Nouvelle, a parte nova da cidade com prédios em estilo art-decó e influência francesa e a medina ou cidade antiga, um mundo que parece ter ficado parado no passado.

Ao passar pelos portões nos encontramos no meio de um frenesi de pessoas, sejam turistas, nativos, vendedores ou compradores, além das motos, transitando pelas ruelas. Ali dentro encontramos de tudo, desde dentaduras (arghhh) até tapetes belíssimos, tudo à venda, sempre com um “special prrrice forrrr you my frrriend”. Há souks especializados em tapeçaria, especiarias, objetos de bronze e prata e roupas.

Por todos os lados lojas que convidam a entrar
Tapetes e mais tapetes, o principal desejo de compras dos turistas

Além das lojas dos souks, também há muitas bancas vendendo frutas secas, doces, incensos, suco de laranja, dentre outras coisas. É uma mistura de aromas, cores e gente, formando uma sinfonia de uma cultura única que permaneceu quase imutável ao longo dos anos.

Winston Churchill dizia que se a pessoa tivesse apenas um dia no Marrocos, que passasse esse dia em Marrakech. Complementando a frase, eu diria que se você tiver apenas um dia em Marrakech, passe a maior parte do tempo dentro da medina.

Banca de frutas secas

Um dos pontos altos, mais divertido e também abarrotado de gente é a famosa praça Djemma El Fna, palco de um cenário humano tão incrível que merece ser descrita em um post a parte.

Do lado de fora também é interessante caminhar, para ver os muros que cercam a medina, levantados no século XII. Os tons ocres dão um toque todo especial, formando mesmo um cenário de filme das 1001 noites. A cor característica é devido à tabia, material usado na sua construção que corresponde à terra vermelha da planície, misturada com cal.

Imponente muralha vista do lado de fora da medina

São 19 km de muralha circundando a medina. São necessárias 2 horas de charrete, um modo agradável de se locomover em Marrakech, para percorrer toda a muralha. A visão é de uma beleza ímpar, que nos remete serenidade diante da imponência  dos muros de 9 metros de altura e 2 metros de espessura. Muros que parecem não se afetar pelos anos, pelo vai e vem de turistas ou pela tecnologia.

Se do lado de dentro há um alvoroço de gente, motos e mulas, do lado de fora temos calmaria e uma aparente tranquilidade. Uma visão romântica e exótica, apesar da seriedade e dureza das paredes.

Alvoroço do lado de dentro e serenidade do lado de fora da medina

Marrakech – No palácio da preferida do grão vizir

Após visitarmos a mesquita Koutoubia, fomos até o Palais Bahia (pronuncia Barria), cujo nome significa Palácio da Bela. Esse magnífico palácio fica no bairro judeu Mellah, que até 1936 era o maior bairro judeu do Marrocos.

Átrio na entrada do Palais Bahia repleto de árvores

O palácio foi construído no final do século 19 pelo grão vizir Ba Ahmed para a sua preferida, que era obviamente a Bahia. Lá era a residência da família do grão vizir, composta por 4 esposas, 24 concubinas e incontáveis crianças. Dá para imaginar o ciúme que devia existir no local. Quando perguntei ao guia sobre a existência de ciúme, inveja ou brigas, ele me respondeu “Sim, sim! Molto, molto veneno“. Pelo visto, a Bahia devia ter que tomar muito cuidado com as demais esposas e concubinas do famoso grão vizir.

Provavelmente, já pensando nisso, o layout dos quartos, corredores e portas foi construído de forma a garantir que seu ocupante tivesse privacidade, evitando que houvesse encontros desagradáveis entre os moradores.

Detalhe da pintura do teto da sala principal do primeiro átrio do palácio

A construção é um belo exemplo da arquitetura residencial da época, cobrindo cerca de 8 hectares. Logo que entramos vemos um átrio com um grande jardim repleto de árvores como laranjeiras, coqueiros e até bananeiras e também muitas flores. O átrio é rodeado por vários quartos e salas dispostos lado a lado.

Riqueza de detalhes por todos os cantos
Inscrições em árabe também enfeitam o alto das paredes

Os quartos possuem tetos pintados de forma sofisticada, o que me fez pensar em como foi feito na época, com tantos detalhes e desenhos. Uma vez que a religião muçulmana proíbe a reprodução de formas humanas e animais, os marroquinos se especializaram em pinturas de desenhos geométricos, flores e arabesques resultando em lindas pinturas, ricas em detalhes, formas, combinações e cores.

Algumas paredes são brancas, sem pinturas ou desenhos, contrastanto com a riqueza de cores dos tetos, mas isso era porque na época eram cobertas por cortinas e tapetes.

Em cada quarto, uma pintura diferente e bela
Interior de um dos quartos do Palais Bahia

Continuando a visita, chegamos a outro átrio, ainda maior, também ladeado por mais quartos, todos com belas portas de cedro pintadas com detalhes geométricos ou flores. Por último há um outro jardim, também maior que o primeiro, com mais árvores e flores. Lá era o local de lazer e descanso das esposas e concubinas. Na época em que era habitado, havia também muitos animais nesse jardim. As portas possuem aberturas em forma de circunferência na parte de baixo que servia para os animais de pequeno porte, principalmente os gatos das mulheres, passarem de um local para outro.

Maior átrio do palácio rodeado por fontes e quartos e salas amplos

No total, foram necessários 7 anos para que o Palais Bahia fosse concluído, o que deu origem à divertida expressão marroquina “O Bahia finalmente terminou“, usada em casos onde as negociações demoram muito para finalizarem.

Detalhe da pintura em uma das portas de cedro

Imagino como o palácio deveria ser belo na época do seu esplendor, visto que hoje em dia ainda guarda muito da sua beleza. A Bahia deve ter ficado muito feliz, pois não poderia ter ganho residência melhor.

Sem dúvida, é um local que merece ser visitado. O Palais Bahia é aberto diariamente entre 8:45 e 11:45 e das 14:45 as 17:45, com exceção de sexta que reabre mais tarde na parte da tarde, às 15:00. O ingresso custa 10 dihans, aproximadamente 1,00 euro.